TEOLOGIA EM FOCO: A GRAÇA E AS BOAS OBRAS

domingo, 9 de outubro de 2016

A GRAÇA E AS BOAS OBRAS



A Bíblia ensina que boas obras são importantes, mas comparadas a trapo de imundícia diante da graça de Deus (Is 64.6).

A Bíblia, por exemplo, conta a história de um grande homem que zelava pelas boas obras, chamado Saulo de Tarso - cumpria as tradições judaicas, fariseu e perseguidor dos cristãos, blasfemo e insolente, chegando a consentir com assassinato de um cristão simples e devotado chamado Estevão.

Saulo que depois da conversão passou a ser chamado Paulo, escreveu para um jovem de nome Timóteo, explicando sua mudança das boas obras para graça: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade. Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. Fiel é a palavra e digna de toda a aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna” (1ª Tm 1.12-16).

O Apóstolo dos Gentios destruiu com suas doces palavras todo o argumento dos defensores das obras como condição para a salvação. Ele afirmou, categoricamente, ser o maior dos pecadores. Além disso, Paulo foi muito franco ao admitir que alcançou misericórdia por intermédio de Cristo, em outras palavras, poderia ter dito: minhas boas obras não me salvaram e sim Jesus com Sua maravilhosa graça.

Pensamos erroneamente que podemos conquistar a salvação por meio daquilo que fazemos, mas, não é trabalhando, sendo religioso, através de obras de caridade ou sociais, como querem alguns imitando o sistema desse mundo, tão pouco, através de merecimento próprio alcançaremos salvação, como pensam alguns cristãos A religião quer associar fé ao cumprimento de regras e leis. O contraponto da religião que exige esforço é a proclamação da graça. Abraão Almeida diferenciou dois tipos de religião:

1.Religião divina – é do “alto para baixo”, ou seja, nela Deus faz, oferece ao homem a graça salvadora, por reconhecer a incapacidade humana de produzir obras de justiça. É o plano de Deus para salvar o homem caído.

2. Religião humana – é de “baixo para cima”, ou seja, nela o homem faz, oferece a Deus o produto do seu esforço.

A graça de Deus não exige, não cobra, capacita. Paulo nos afirma isso em sua carta aos Efésios: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo – pela graça sois salvos – e juntamente com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus, para nos mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras para que ninguém se glorie” (Ef 2.4-8).

Quando a graça de Deus não é reconhecida e atribuímos ao nosso esforço ou obras o que Deus de graça nos deu, demonstramos orgulho; surge o artificial, o teatral, o aparente, as máscaras.

A graça de Deus é a única garantia de que somos aceitos em Deus. No cristianismo, o amor não é dado aos que já são dignos, ao contrário, a nós, os mais indignos, agrega grande valor: Sua graça.

O emaranhado de leis e regulamentos muitas vezes dificulta o conhecimento de Deus e o alcance de Sua graça! O número de pessoas afastadas de Deus, receosas de conhecê-lo e totalmente fragilizadas pela religiosidade humana demonstra que o homem não tem aprendido o valor real da graça por não conhecer a Bíblia.

O homem é salvo no momento que nasce de novo através da graça de Cristo, por meio da fé que lhe é imputada quando ouve e aceita a pregação do Evangelho da graça de Cristo, como está escrito em Romanos 10.17. Sabe por que ocorre isto? É porque a salvação é um “DOM”, é um presente dado pelo próprio Deus através da sua misericórdia a quem ele quer, como está escrito em Romanos 9.18. Isto ele o faz independente do quem somos ou do que façamos, mas, exclusivamente daquilo que Cristo fez na cruz do Calvário. Quando disse: “ESTÁ CONSUMADO”. Por isso, que a salvação é pela graça, caso contrário estaríamos anulando a graça e caindo no grande erro da religiosidade como nos adverte o Apóstolo Paulo em Romanos 11.6, onde diz: “Mas se é pela graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça”. E prossegue em Gálatas 2.21 com a mesma doutrina: “Não faço nula a graça de Deus; porque, se a justiça vem mediante a lei, logo Cristo morreu em vão” (Gl 2.21).

Muitos reduzem a graça de Deus, sob o peso de um jugo de regras; se achamos que teremos de passar por um caminho de obstáculos para alcançar uma benção de Deus, ou se pensamos que nossa aceitação diante de Deus depende de nossos dogmas e tradições, experimentamos algo diferente que não a graça de Deus.

Além disso, Paulo também afirmou que a sua salvação serviria de exemplo para todos os que haveriam de crer em Jesus Cristo. Afinal, se ele alcançou misericórdia e veio ao arrependimento, não há limites para a salvação de todo aquele que crê no Filho de Deus.

Está enraizada no coração do homem a ideia que ele tem que fazer alguma coisa para tornar-se merecedor da salvação. À luz da Bíblia, não se pode garantir a salvação ou santificação como recompensa, por fazer boas obras, ou observar certos cerimoniais. A graça divina nos assegura a salvação na obra que Deus fez por nós mediante a morte de Cristo, e não em alguma obra ou atitude que a pessoa tenha feito para Deus. A graça divina afirma que tudo já foi pago no Calvário (Cl 2.14). Deus em sua misericórdia executou fielmente o seu plano, e Jesus veio até nós, pagou o preço que o pecado exigia: a morte. Com Sua vida santa e sem pecado, e com Sua morte em sacrifício, Jesus adquiriu o direito de salvar todos quantos crerem no Seu nome.

Tudo o que Deus poderia fazer para salvar a humanidade da condição de pecadores, Deus realizou. O sacrifício de Jesus foi perfeito e completo. Sua ressurreição, e ascensão confirmam e provam isto.

Somente um amor inexplicável é capaz de executar este plano maravilhoso e oferecer gratuitamente, sem que precisemos fazer absolutamente nada, nós que fomos criados com a capacidade de escolher o que queremos para nossa vida, poderemos ou não aceitar este precioso presente divino. Esta palavra pastoral é completada ao lermos romanos 12: “Assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros […] O amor seja sem hipocrisia […] Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros […].

“Uma vida que se origina em regeneração é provida e fortalecida em santificação se manifesta em boas obras. Jesus disse: “cada árvore é conhecida pelo seu fruto próprio” (Lc 6.43-45). Quando falo de boas obras, não estou falando de obras que têm valor inerente para nos dar direito a receber vida eterna. Cristãos devem sua vida toda a Deus (Lc 17.9-10), e também só podem realizar boas obras na força que Deus lhes dá dia-a-dia (1ª Co 15.10; Fp 2.13). Nem estou falando de obras objetivamente boas, pensando nos não regenerados (Lc 6.33; Rm 2.14). Alimentar os pobres, vistos em relação à natureza do ato, é uma obra boa. Vista em relação ao motivo que a induz, pode ser uma obra boa ou má. Se for feita para ser vista pelos homens, é ofensiva perante Deus. Se feita por benevolência natural, é um ato de moralidade natural. Se feita a um discípulo em nome de um discípulo, é um ato de virtude cristã”.

Estou falando de obras que são essencialmente diferentes em qualidade moral então das ações dos regenerados (ver At 9.36; Ef 2.10; 2ª Tm 3.17) e que são expressões de uma criatura em Cristo. Quando se fala de “boas obras” há certas características de obras que são espiritualmente boas:
1.      São os frutos de um coração regenerado, pois sem isso ninguém pode ter disposição para obedecer a Deus e nem o motivo de glorificá-lo que é exigido (Mt 12.33; 7.17-18; Ap 9.8).
2.      Não estão apenas em conformidade externa com a lei de Deus, mas se originam do princípio ou motivo do amor por Deus e do desejo de fazer a Sua vontade (Dt 6.2; Jo 15.10; Mc 12.33; 14.14.15, 21, 23).
3.      Seja qual for o alvo imediato, seu alvo ou mira final não é o bem-estar do homem, mas a glória de Deus. (1ª Co 10.31; Cl 3.17-23; 1ª Co 5.16; 1ª Pe 2.12; At 12.23).

Boas obras não podem ser consideradas como necessárias para merecer a salvação, nem como um meio de reter a salvação, nem como o único caminho que leva ao céu, pois crianças podem entrar na salvação sem ter feito qualquer boa obra. Ao mesmo tempo, boas obras seguem a nossa salvação em Cristo. “Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto” (Jo 15.5). Boas obras são necessárias sendo exigidas por Deus (Rm 7.4; 8.12-13; Gl 6.2), como os frutos da fé (Tg 2.14, 17, 20-22), expressões de gratidão (1ª Co 6.20), para confirmação da fé (2ª Pe 1.5-10) e para a glória de Deus (Jo 15.8; 1ª Co 10.31).

“Infelizmente, muitos evangélicos têm deixado de confessar de modo convicto essa verdade que está no coração do evangelho. Muitos líderes e movimentos têm voltado a insistir na prática de certas ações ou na exibição de determinadas virtudes como condição para que as pessoas sejam aceitas, perdoadas e abençoadas por Deus. Volta-se, assim, ao sistema de salvação pelas obras ou pelos méritos humanos contra o qual se insurgiram os reformadores. Com isso exalta-se o ser humano, suas escolhas, decisões e iniciativas, e se desvaloriza a Deus, sua graça, sua soberania, sua obra de expiação por meio de Cristo. Tenhamos a coragem e a coerência bíblica de reafirmar a verdade solene da justificação pela somente, que é, no dizer dos reformadores, o articulus stantis et cadentis ecclesiae, ‘o artigo pelo qual a igreja se sustenta ou cai’”.

“Devemos deixar de lado todo senso de justiça própria e reconhecer que não passamos de pobres pecadores. Deus nos salva não é porque somos bons, mas porque Ele é bom e misericordioso.

Ao findarem a jornada aqui na terra, os pecadores arrependidos irão diretamente para a presença do Senhor. Lá, encontrarão muitos que a sociedade condenou, e que, ao serem questionados a respeito de como chegaram à presença de Deus, dirão com alegria: “Estamos aqui simplesmente pela graça”. Que o Senhor nos abençoe!”.

Pr. Elias Ribas

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