TEOLOGIA EM FOCO: O LAMENTO DE JÓ

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O LAMENTO DE JÓ

 


Jó 3.1-26 “Depois disto, abriu Jó a boca e amaldiçoou o seu dia. 2 - E Jó, falando, disse: 3 - Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem! 4 - Converta-se aquele dia em trevas; 5 - Contaminem-no as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; e, ali, repousam os cansados. negros vapores do dia o espantem! 6 - A escuridão tome aquela noite, e não se goze entre os dias do ano, e não entre no número dos meses! 7 - Ah! Que solitária seja aquela noite e suave música não entre nela! 8 - Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia, que estão prontos para fazer correr o seu pranto. 9 - Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo; que espere a luz, e não venha: e não veja as pestanas dos olhos da alva! 10 - Porquanto não fechou as portas do ventre, nem escondeu dos meus olhos a canseira. 11 - Por que não morri eu desde a madre e, em saindo do ventre, não expirei? 12 - Por que me receberam os joelhos E por que os peitos, para que mamasse? 13 - Porque já agora jazeria e repousaria; dormiria, e, então, haveria repouso para mim14 - com os reis e conselheiros da terra que para si edificaram casas nos lugares assolados, 15 - ou com os príncipes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata. 16 - Ou, como aborto oculto, não existiria; como as crianças que nunca viram a luz! 17 - Ali, os maus cessam de perturbar e, ali, repousam os cansados. 18 - Ali, os presos juntamente repousam e não ouvem a voz do exator. 19 - Ali, está o pequeno e o grande, e O servo fica livre de seu senhor. 20 - Por que se dá luz ao miserável e vida aos amargurados de ânimo, 21 - que esperam a morte, e ela não vem; e cavam em procura dela mais do que de tesouros ocultos; 22 - que de alegria saltam, e exultam, achando a sepultura? 23 - Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu? 24 - Porque antes do meu pão vem O meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água. 25 - Porque o que eu temia me veio, e o que receava me aconteceu.  26 - Nunca estive descansado, nem sosseguei, nem repousei, mas veio sobre mim a perturbação.”

INTRODUÇÃO

Jó passou por uma série de drama; uma série de calamidades se abateu sobre ele de forma catastrófica a ponto de pedir a morte, mas, apesar de ele desejar morre não buscou o suicídio. Ao desejá-la, o patriarca tem como objetivo dar fim ao ciclo de sofrimento que Satanás lhe impôs. Nesse aspecto, a vida de Jó nos passa uma mensagem muito importante, mostrando-nos que, mesmo diante do mais terrível sofrimento, o patriarca não ousou entrar numa “jurisdição” que pertence somente a Deus.

Do estado de riqueza e prosperidade, Jó passou a viver na adversidade; seus amigos foram para consolá-lo, mas ficaram sem palavras ao contemplarem seu debilitado estado de saúde. Entretanto, depois de sete dias, ele rompeu o silêncio com um lamento que veio do fundo da alma.

Ele, indiretamente, nos transmite a importante mensagem de que o único que pode decidir acerca do início e do fim da vida é o Deus Altíssimo.

I. PRIMEIRO LAMENTO DE JÓ (3.1-10)

Jó abre sua boca depois de sete dias. O primeiro lamento de Jó revela seu desejo de esquecer o dia em que nasceu.

1. “Por que nasci?” A dor de Jó era profunda e somente a poesia podia expressar toda a carga emocional vivida por ele. Nesse poema, os dez primeiros versículos do capítulo três são a respeito do primeiro questionamento de Jó: Por que nasci? Esse questionamento sai do íntimo de Jó, assim como ocorre com a alma do salmista (130.1). Da mesma forma, o profeta Jeremias expôs os sentimentos diante de seus conflitos (Jr 20.14-18). Nesse sentido, o patriarca não está sozinho em lamentar diante da dor.

A queixa de Jó:

1.2. Jó amaldiçoa o dia de seu nascimento (vs. 1-10). De maneiras variadas, ele deseja que nunca tivesse nascido.

Bíblia nos fala que quando estamos fracos Ele se mostra forte. Em nossa fraqueza repousa o poder de tudo (2º Co.12.9 e 10).

1.3. A segunda parte de seu discurso. Jó continua dizendo que se ele tinha que nascer, teria sido melhor se tivesse nascido morto (vs. 11-19). A morte é pintada como uma libertação das dificuldades desta vida.

Esse questionamento sai do íntimo de Jó, assim como ocorre com a alma do salmista (130.1). Da mesma forma, o profeta Jeremias expôs os sentimentos diante de seus conflitos (Jr 20.14-18). Nesse sentido, o patriarca não está sozinho em lamentar diante da dor.

O homem de Uz recorre a essa imagem para ilustrar o momento tenebroso que estava vivendo. A lógica é simples: Se Deus não tivesse feito aquele dia, ele não teria sido concebido e, portanto, não passaria por tudo isso. Nesse sentido, o Novo Testamento revela como nosso Senhor é misericordioso e nos trata com amor e ternura nos momentos de tribulação e angústia, pois aos pés da cruz é o melhor lugar para derramar a nossa alma (cf. Jo 11.32,33).

2. Que em lugar da memória viesse o esquecimento. Neste momento de dor, Jó não amaldiçoou a Deus, como Satanás previra; em vez disso, amaldiçoou o dia de seu nascimento. No lugar de ser ocasião de grande celebração pelo dia do nascimento de criança, Jó amaldiçoou esse dia por ocasião do grande sofrimento e decepção. Para o homem de Uz, esse dia teria de ser apagado da memória. Não é assim que muitas vezes nos sentimos? Um dia em que tudo foi mal e temos desejo de nunca mais lembrá-lo.

3. Que em vez da ordem viesse o caos. Mencionamos o desejo de Jó para que o dia de seu nascimento não tivesse entrado no calendário e, que dessa forma, tanto esse dia como essa noite jamais tivessem existido. No lugar da luz que raiou por ocasião do nascimento dele, e que revelou todo seu sofrimento, o patriarca desejou que as trevas dominassem (vv. 4-7). E por que? Porque em vez da paz veio a dor; em vez da ordem, o caos. Desse dor; em vez da ordem, o caos. Desse raciocínio, Jó menciona a imagem do Leviatã. Este famoso e assombroso animal marinho simboliza o caos.

O homem de Uz recorre a essa imagem para ilustrar o momento tenebroso que estava vivendo. A lógica é simples: Se Deus não tivesse feito aquele dia, ele não teria sido concebido e, portanto, não passaria por tudo isso. Nesse sentido, o Novo Testamento revela como nosso Senhor é misericordioso e nos trata com amor e ternura nos momentos de tribulação e angústia, pois aos pés da cruz é o melhor lugar para derramar a nossa alma (cf. Jo 11.32,33).

II. SEGUNDO LAMENTO DE JÓ: POR QUE NÃO NASCI MORTO? (3.11-19).

O segundo lamento de Jó revela o desejo de ter sido abortado.

1. Descansando em paz. Os intérpretes observam que o discurso de Jó a partir do versículo onze muda de amaldiçoar para reclamar. A partir desse versículo, Jó passa reclamar por não ter nascido morto. Para ele nascer morto teria sido melhor do que existir naquelas condições (v. 11-13). Era a melhor maneira de não passar por toda aquela tribulação. Essas palavras de Jó revelam uma coisa: Ele queria descanso de todo o seu sofrimento. O que Jó pedia era uma possibilidade real, pois muitos fetos nascem mortos (vv. 16). Para ele a morte era uma forma de descansar em paz (vs. 13-15).

2. Livre de tribulações. O dilema de Jó aumenta à medida que o seu sofrimento ganha intensidade. Ele continua com seu argumento da “não-existência” (vs. 16-19). Ele está convencido de que se não tivesse se tornado um “ser”, nada disso estaria acontecendo. Ele desejava ter sido como um “natimorto”, um feto que nunca viu a luz (v.16).

A palavra hebraica nephel, usada no versículo 16 como “natimorto”, possui o sentido de “um aborto espontâneo” e é traduzido dessa forma em Eclesiastes 6.3 e Salmo 58.8. Aqui em nenhum momento Jó faz uma apologia ao aborto, mas usa-o no sentido metafórico de “descanso do sofrimento”. No lugar de ter sido abortado, ele nasceu e foi lançado no mundo da tribulação. O raciocínio é claro: Para os que morreram cessaram as angústias e tribulações da vida presente.

3. Uma realidade para o cristão. O Novo Testamento nos ensina que enquanto estivermos neste mundo estaremos sujeitos à dor, ao luto, ao sofrimento (Fp 4.11,12). Mas, ao mesmo tempo, temos uma promessa consoladora de Jesus (Jo 16.33, cf. Fp 4.13).

4. Jó lamenta seu nascimento. Se a morte tivesse sido o seu destino logo no início, então suas maiores esperanças teriam sido alcançadas havia muito tempo- então, haveria repouso para mim (13). Entre os versículos 14 e 19 há observações acerca do fato de que todos os homens são iguais diante da morte.

Os reis (14), os ricos (15), os maus 17) cessam de perturbar, e, ali, repousam os cansados. Moffat interpreta o pensamento dos lugares assolados (14) como ‘reis L.J que constroem pirâmides para si mesmos’. Os presos não são mais incomodados por aqueles que os oprimiam (18) e mesmo os escravos estão livres de seu senhor (19). Em seu desespero, Jo pode apenas esperar pelo alívio que a morte poderia lhe trazer” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF Earl C. (et al. Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.34).

III. TERCEIRO LAMENTO DE JP: POR QUE CONTINUO VIVO? (3.20-26)

O terceiro lamento de Jó revela a desistência da vida por causa do sofrimento.

1. Vale a pena viver? Nessa terceira seção do capítulo três Jó faz uma quarta pergunta (3.20): “Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo?”. As outras perguntas estão em 3.1; 3.12; 3.16. A palavra hebraica amel, traduzida aqui como “miserável”, é usada no sentido de alguém cuja vida é atribulada pela miséria e que, por isso, torna-se incapaz de exercer suas funções. Em outras palavras, para Jó a vida havia se tornado intolerável.

2. Sem o favor de Deus? Jó novamente volta a indagar: “Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?” (Jó 3.23). A pergunta busca o significado do sentido de todo aquele processo. Ela busca compreender o porquê de Deus permitir o sofrimento. Aqui há um paralelo com Provérbios 4.18, onde é dito que “o caminho do justo é como a luz da aurora que brilha mais e mais até ser dia perfeito”.

Na literatura sapiencial, a palavra hebraica traduzida como “caminho” é derek e se refere ao caminho da sabedoria de Deus, que conduz a vida. Para o patriarca esse fato havia se tornado um paradoxo, pois ele não sabia por que Deus escolheu para ele o caminho do sofrimento.

3. Um caminho de sabedoria e maturidade. Muitas vezes sentimo-nos iguais a Jó, desorientados, passando por uma via dolorosa do sofrimento. E como ele, não imaginamos nem compreendemos que Deus está agindo. É preciso, porém, olhar para o alto onde Cristo vive (Cl 3.1-4). Nele, podemos manter o equilíbrio e confiança durante a tormenta e, assim, trilhar um  caminho de sabedoria e maturidade no sofrimento

4. “Jô veio à luz; ele foi trazido à Vida (20); Jó estava perdido e Deus o encobriu (23). Tudo isso ocorre contra sua vontade ou, pelo menos, sem que ele tenha alguma oportunidade de escolha. Em sua miséria ele espera a morte. A morte seria como tesouros Ocultos a serem procurados ou algo de que ele poderia se alegrar sobremaneira (21-22). Mas mesmo isso é negado a Jo. Moftat interpreta a primeira parte do versículo 23: ‘Por que Deus dá à luz à um homem que está no fim de suas forças?

A miséria de Jó se tornou tão desmedida que seus gemidos (expressão de agonia) se derramam como água (24) em uma corrente vasta e ininterrupta. A Sua vida tornou-se tão difícil que tudo que ele precisa fazer é temer por mais agonia, e isso, de fato, acontece (25). O sofrimento de Jó não tinha fim. Ele não teve qualquer oportunidade para experimentar descanso, sossego e repouso. Velo sobre mim a perturbação (26) pode ser traduzido apropriadamente como: ‘A perturbação vem continuamente’ ” (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T.; WOLF, Earl C. (et al). Comentário Bíblico Beacon: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p.34).

CONCLUSÃO

Nesta lição vimos o dilema de Jó. Desconhecendo a razão das adversidades que se abateram sobre ele, o patriarca não negou a Deus nem o amaldiçoou. Todavia, ele expôs toda a sua humanidade, de forma que o leitor que apenas o contempla sem, contudo, participar de seu drama, tem dificuldade de entender seu lamento, principalmente, quando ele se dirige a Deus. E o lamento de um corpo ferido e de uma alma, que mesmo amando a Deus, se derrama angustiada.

GONÇALVES José. O lamento de Jó. 4º trimestre de 2020 . CPAD – Rio de Janeiro RJ.

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