PAULO E OS GÁLATAS
A carta aos Gálatas pode assim ser considerada como uma carta apologética, que faz variações sobre as estruturas básicas do discurso judiciário. Esta compreensão do texto escriturístico, naturalmente acarreta conseqüências para a sua interpretação.
O período que Paulo esteve em Éfeso e a subseqüente viagem através da Macedônia até Corinto são marcados, entre outras coisas, pela “preocupação… por todas as igrejas” (2ª Co 11.28). Essas palavras não expressam, simplesmente, a constante preocupação do apóstolo pelas igrejas cristãs, mas também fazem referência aos grandes problemas que surgiram nas comunidades, como provam Gálatas, Colossenses, Filemon. Os escritos paulinos nos deixam bem claro, acerca de posições polêmicas no campo missionário. A controvérsia a respeito da lei e de sua validade trouxe um transtorno para Paulo.
A frente judaizante, que pode ser identificada na exigência da circuncisão para os gentio-cristãos, com a conseqüência de um novo legalismo, atentava contra o acordo que fora feito pelo Concílio Apostólico. Paulo podia argumentar, com todo o direito, a partir de uma posição privilegiada, que se baseia nesse consenso geral de toda a Igreja, tentando preservar as comunidades de fundação gentio-cristã do anacronismo de recair no modo de vida de um grupo especial dentro do judaísmo.
Paulo teve que se defender sozinho contra estes adversários. Essa ameaça judaizante não surgiu propriamente no campo missionário Paulino. Foi aí um “produto” importado dos “ministros” judaizantes que vieram de fora dos campos da atividade paulina.
Os Judaizantes foram os principais perseguidores do apóstolo Paulo; acusavam no pregar contra a lei (At 21.28; Gl 2.4-5). Eles perturbavam as igrejas em Antioquia da Síria e na Galáxia, ensinando que os novos convertidos deviam viver como judeus para serem salvos (At 15.5). Parece que os tais apresentavam-se como enviados de Tiago (Gl 2.12). No entanto, apesar de haverem saído de Jerusalém, não se achavam autorizados a falar em nome de Tiago (At 15.24).
A carta aos Gálatas, como único escrito circular de Paulo, foi destinada a diversas comunidades e devia ser objeto de leitura nas celebrações litúrgicas (1ª Ts 5.27; Cl 1.4.16). A carta como costume da época - devia substituir a presença e a pregação do apóstolo. Com isso ele deseja agir de modo direto e estabelecer a unidade cristã.
Na carta aos gálatas, é um caso único que Paulo introduz a polêmica na abertura:
“Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos” (Gl 1.1).
Com isso, ele se defende de uma acusação (1.10). É necessário que Paulo utilize da autoridade do nome de Cristo e de Deus Pai, que são formulações de fé, para combater seus os inimigos do evangelho.
Deus “chamou” os gálatas, por meio do Evangelho de Cristo para o novo estado salvício (1.6s; 5.8), para o estado da “graça de Cristo” ou de “Deus” (1.6; 2.21; 5.4). Este estado fundamenta-se unicamente na “cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (6.14). Agora, contudo, existe o perigo de que os gálatas já tivessem caído dessa graça (1.6; 5.4), pelo fato de serem seduzidos pelos judaizantes (1.7; 3.1; 5.10), terem eliminado o escândalo da cruz (5.11), crendo que o evangelho ensinado por Paulo, precisasse de um complemento (5.3; 6.12).
O Evangelho que Paulo apresenta aos Gálatas (1.9), é o tema central apresentado na forma concreta do evangelho ensinado por Cristo Jesus.
“Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo” (Gl 1.11-12).
Paulo estava decepcionado com o fato de muitos recém convertidos estarem seguindo falsos mestres que ensinavam um “outro” evangelho (gr. heteros), isto é, “outro de um tipo diferente”.
“Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho” (Gl 1.6).
Falsos mestres foram aos gálatas, procurando persuadi-los a rejeitar os ensinos de Paulo e aceitar “outro evangelho”. Os judaizantes, um grupo de judeu legalista da Igreja Primitiva, tentavam casar a mensagem da salvação em Cristo com o contexto da lei mosaica (Dt 4.2). Cristãos imaturos criam nos ensinos distorcidos dos judaizantes. Esses ensinos envolviam outros ensinos além da justificação pela fé. Falsos ensinos continuam sendo muito persuasivos. Paulo advertiu os gálatas que o evangelho que os pregadores estavam ensinando era “outro” (gr. allos) “um outro do mesmo tipo”, o verdadeiro evangelho, que vem de Deus, segundo Cristo, e não casado com a lei.
Este evangelho diferente consistia não somente em crer em Cristo, mas também ligar-se à fé judaica mediante a circuncisão (5.2), as obras da lei (3.5) e a guarda dos dias judaicos (4.10).
“Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema” (Gl 1.8).
A palavra “anátema” (gr. anathema) significa alguém que está sob maldição divina, condenado à destruição e que será alvo da ira divina e da condenação eterna. Aqueles que corrompem o evangelho, Paulo chama-os de “Anátema”, ou “maldito”. O fato de o apóstolo amaldiçoar duas vezes esses hereges mostra a seriedade do assunto. Estavam propagando outro evangelho, privando os cristãos da liberdade com que Jesus nos libertou, transferindo para o homem a honra e a glória que pertence exclusivamente a Deus, oferecendo a salvação por meio de recursos humanos. Eis porque Paulo foi tão contundente com esses hereges.
O apóstolo Paulo, inspirada pelo Espírito Santo, revela a atitude, de julgamento e indignação para com aqueles que procuram perverter o evangelho original de Cristo (v. 7) e mudar a verdade do testemunho apostólico. Igual atitude evidenciava-se Jesus Cristo contra os falsos líderes religiosos que rejeitavam em parte a Palavra de Deus, substituindo a revelação divina por suas próprias idéias e interpretações (Mt 23; Mc 7.6-9).
Malditos (“anátema”) são todos que pregam um evangelho contrário à mensagem que Paulo pregava de acordo com a revelação que Cristo lhe dera (vv. 11-12). Quem acrescenta ou tira algo do evangelho original e fundamental de Cristo e dos apóstolos, ficam sujeitos à maldição divina: “Deus tirará a sua parte do livro da vida” (Ap 22.18-19).
Deus ordena os crentes a defender a fé (Jd 3), a corrigir os errados com amor (2ª Tm 2.25-26) e a se separarem dos falsos mestres, pastores e outros que na igreja negam as verdades bíblicas fundamentais ensinadas por Jesus e os apóstolos ( Rm 16.17-18); 2ª Co 6.17). Essas verdades incluem: a salvação pela graça mediante a fé em Cristo como Senhor e Salvador efetuada pela expiação através de sua morte e do Seu sangue (Rm 3.24-25; 5.10).
1. Paulo na defesa do Evangelho.
“Catorze anos depois, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também a Tito. Subi em obediência a uma revelação; e lhes expus o Evangelho que prego entre os gentios, mas em particular aos que pareciam de maior influência, para, de algum modo, não correr ou de ter corrido em vão. Contudo, nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se. E isto por causa dos falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão. Aos quais nem ainda por uma hora nos submetemos, para que a verdade do Evangelho permanecesse em vós. (Gl 2.1-5).
Conheço poucas passagens que exponham mais ousadamente a influência prejudicial do farisaísmo. Segundo os ensinos de Paulo, os judaizantes não só perturbava o ensino genuíno do evangelho, mas também distorciam as verdades segundo o Novo Testamento. Estamos agora considerando aqueles que espreitam e escravizam os indivíduos que querem ser livres por Cristo.
Quatorze anos antes, o apóstolo Paulo recebera uma revelação direta de Deus, no sentido de que fora chamado para ministrar especialmente aos gentios. Pedro fora chamado para evangelizar especialmente os judeus. Uma grande dúvida surgiu do contado de Paulo com os gentios: O gentio deveria ser circuncidado para tornar-se cristão? Havia umas questões relacionadas com esse fato. Deveria ele manter certo tipo de alimentação? Deveria cumprir as tradições dos judaizantes? Deveria cumprir os preceitos da lei de Moisés? Deveria-se semelhante aos judeus? Em outras palavras, era necessário que Moisés completasse o que Cristo havia iniciado? Paulo nega isso enfaticamente. Assim sendo, ele apresentou o Evangelho de Cristo baseado na mensagem da graça. Não é de admirar que os gentios respondessem aos milhares. Isso levou os crentes judeus a ficarem um tanto nervosos, especialmente os que mantinham uma posição mais legalista quanto à salvação. O fluxo de tantos judeus convertidos perturbou-se bastante.
E lá se foram, então, para Jerusalém onde daria a reunião, levando em sua companhia Barnabé (um judeu circuncidado) e Tito (um gentio incircunciso), sendo ambos crentes no Senhor Jesus Cristo como Salvador. Paulo nos conta o que fez ao chegar:
“...lhes expus o evangelho que prego entre os gentios e particularmente aos que estavam em estima, para que de maneira alguma não corressem ou não tivessem corrido em vão” (Gl 2.2).
Isto nos assegura que ele chegou com uma atitude aberta, dizendo, com efeito: “Homens, quero que saibam que tenho ensinado as boas novas de Cristo segundo a graça. Estou certo ou preciso ser corrigido? A resposta deles foi, em suma: “Você está certo. Aprovamos essa mensagem”. Mas no terceiro versículo ele diz: “Mas nem Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se”.
Você acha que os judeus aceitaram isso calmamente? De forma alguma. Nem os judeus da era paulina e tampouco os da atualidade são receptivos ao Evangelho da graça.
“E isso por causa dos falsos irmãos que se tinham, intrometido e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão: aos quais, nem ainda por uma hora cedemos com sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre nós” (v. 4-5).
Por ora, está claro que Paulo não conhece pessoalmente, ou conhece de passagem, os perturbadores que se infiltraram na Galáxia e também em Corinto.
Os Falsos irmãos que Paulo está se referindo, são os judeus que tinham aceitado o batismo cristão, mas permaneciam legalistas militantes, impondo as leis mosaicas. Para Barnabé, que era judeu (At 4.36), a circuncisão não seria problema. Porém, Tito sendo grego, foi um risco que Paulo correu, mas não foi uma provação introduzir um incircunciso entre os judeus. Os judaizastes queriam que Tito fosse circuncidado. Encontramos a compreensão e a tolerância de Paulo com os fracos na fé, a ponto de circuncidar Timóteo (At 16.3); mas nessa reunião em Jerusalém, onde expôs o Evangelho que pregava aos gentios, ele não cedeu nem um pouco, nem por uma hora. Isso por duas razões: Tito era grego (portanto, gentio), e porque estava em risco a Verdade do Evangelho e o futuro do próprio cristianismo. Os judeus estavam usando a circuncisão como meio de salvação: “Alguns indivíduos que desceram da Judéia ensinaram aos irmãos: Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvo” (At 15.1).
O crente salvo tem as marcas de Cristo (2ª Co 11.23-27), que são as marcas provenientes da perseguição em contraste com a marca da circuncisão imposta pelos judeus.
A circuncisão e a observância da lei tampouco são exigidas a posteriori:
“Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17).
Sendo Paulo, portanto, um teólogo que pensa e vive a partir da experiência do evangelho, é coerente que em sua exposição tenha prioridade a nova vocação do homem por meio do evangelho, sob o duplo aspecto da ação seletiva de Deus e da reação por parte do homem com a vida na fé, amor, e esperança.
“Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardam a lei; antes, querem que vos circundeis, para se gloriarem na vossa carne. Mas longe esteja de mim gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo. Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser uma nova criatura” (Gl 6.13-15).
Entre os fariseus convertidos na igreja de Jerusalém, houve os que insistiram na submissão da lei para se salvarem. Eram os “zelosos da lei mosaica” (cf. At 21.20) ou judaizastes. Mas Paulo que era comprometido com o Evangelho de Jesus não podia aceitar a mistura no cristianismo.
A Bíblia, particularmente o Novo Testamento, não é a Verdade para os seguidores do farisaísmo, porque se dizem cristãos? Seria melhor e mais coerente declararem-se prosélitos do judaísmo e partidários da seita dos fariseus, porque seriam muito mais claramente entendidos pelos verdadeiros cristãos.
A abolição da lei ritual do Antigo Testamento não precisa mais ser justificada diante do judeu cristianismo, mas aparece como postura indiscutida e óbvia, que ficou arraigada na Igreja.
Precisamos fazer uma pausa e analisar as palavras “espreitar a nossa liberdade” (Gl 2.5). (O termo grego kataskopos é traduzido “espiar”). A. T. Robertson diz que significa “reconhecer, fazer uma investigação traiçoeira”. Por quê? Isso não é difícil de entender: Para escravizar! Havia alguns que não só se aborreciam com a liberdade de Paulo, mas também queriam que outros vivessem na mesma escravidão que eles.
Eram homens desprovidos da graça de Deus, intrometidos, pois não tinham chamada ministerial, nem entendimento espiritual e usados pelo diabo para tirar a liberdade dos crentes e com isso levá-los a escravidão humana. Se não existir liderança comprometida com o Evangelho e com a verdade, o diabo introduz solapadamente as regras humanas na igreja, tornando-se uma seita.
Paulo não se intimidou e se manteve inflexível na sua determinação. Com confiança ele procurou a liberdade que cada um daqueles convertidos gentios tinham o direito de reclamar. Ele enfrentou o legalismo e nós também devemos fazer isso. Estejam certo, os legalistas não recebem a mensagem, se você mostrar-se inseguro e for brando com eles. Não há necessidade de ser mesquinho, mas, sim de ser firme na Palavra.
Na ação dos judaizantes, os apóstolos viam dois problemas sérios: a ameaça á liberdade cristã e o perigo de o cristianismo, o tornar-se mera seita judaica. Os judaizantes alteraram o cerne do Evangelho, colocando a lei e ritos tradicionais como complemento da obra de Jesus no Calvário; era, de fato, “outro evangelho”, razão pela qual o apóstolo Paulo os censurou gravemente (Gl 1.8-9).
Há pessoas que não querem nossa liberdade. Elas não querem que sejamos livres diante de Deus, aceitos como somos pela Sua graça. Elas não querem nossa liberdade para expressar a nossa fé de modo original e criativo no mundo. Elas querem controlar-nos; querem usar-nos para os seus propósitos. Elas se recusam a viver árdua e abertamente na fé, mas se juntam alguns outros e tentam obter um senso de aprovação, insistindo que todos se pareçam, falem e agem do mesmo modo, validando assim seu mérito mútuo. Esses indivíduos tentam aumentar em números apenas sob a condição de que os novos membros agem, falem e se comportem como eles. Os tais se infiltram nas comunidades de fé para “espiar e estreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus” e com freqüência encontram meios de controlar, restringir e reduzir a vida dos cristãos livres. Sem perceber, ficamos ansiosos sobre o que os outros dirão a nosso respeito, obsessivamente preocupados com o que os outros acham que devemos fazer. Não vivemos mais as boas novas, mas tentamos ansiosamente memorizar e recitar o roteiro que alguém nos designou. Em algumas circunstâncias podemos nos sentir seguros, mas não seremos livres. Podemos sobreviver como uma comunidade religiosa como os fariseus da época de Jesus viviam, mas não experimentaremos o que significa ser humanos, vivendo em fé e amor, expansivos em nossa esperança.
Paulo diz: “Aos quais nem ainda por uma hora nos submetemos, para que a verdade do Evangelho permanecesse em vós” (Gl 2.5).
Cada indivíduo livre, das tradições, que se beneficia da coragem de Paulo, irá continuar vigilante no movimento de resistência formado por ele.
Paulo era tolerante e paciente para com muitas outras coisas (cf. 1ª Co 13-4-7), mas inflexível quando se tratava da “verdade do evangelho”. A revelação que ele recebeu de Cristo (1.12) é o único evangelho que tem poder para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). Paulo sabia que não devia transigir com o evangelho, por causa da paz, da união ou de correntes teológicas. Estava em jogo tanto a glória de Cristo, quanto a salvação dos perdidos. Hoje, se abrirmos mão dalguma parte do evangelho que temos, conforme o NT, começamos a destruir a única mensagem que nos salva da destruição eterna (cf. Mt 18.6).
“E, quanto àqueles que pareciam ser de maior influência (quais tenham sido, outrora, não me interessa; Deus não aceita aparência do homem), esses, digo, que me pareciam ser alguma coisa, nada me acrescentaram” (Gl 2.6).
Líderes cristãos extremamente respeitados podem nos decepcionar. Deus não considera posições sociais ou qualquer tipo de atuação (Rm 2.11). Líderes devem ser respeitados, mas, nossa fidelidade maior deve ser a Cristo. É possível respeitar o ofício sem reverenciar a pessoa.
Deus não usa de favoritismo com ninguém por causa da tradição, reputação, posição ou sucesso (cf Lv 19.15; Jó 34.19; Dt 10.17; At 10.34; Ef 6.9). Deus vê o coração, o seu interior, e seu favor permanece sobre aqueles que voltam sinceramente para Ele com amor, fé e pureza (cf. 1º Sm 16.7); Mt 22.28; Lc 16.15; Jo 7.24; 2ª Co 10.7; 1ª Co 13.1).
No Concílio Apostólico, por sua vez, os “respeitados” e a delegação de Antioquia, tendo Paulo como porta voz, concordavam que Pedro e Paulo haviam sido chamados por Deus para a edificação das comunidades judeus-cristãos. O evangelho gentio-cristão de Paulo teve, portanto, total aprovação eclesial:
“E, quando conheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios, e eles, para a circuncisão” (Gl 2.9).
Os judaizantes, erroneamente, não só negavam a origem divina da missão de Paulo, mas também se colocavam contra o consenso eclesial.
“Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti -lhe face a face, porque se tornara repreensível. Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia com os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar -se, temendo os da circuncisão. E também os demais judeus dissimularam com ele, a ponto de o próprio Barnabé ter-se deixado levar pela dissimulação deles. Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo tu judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? Nós, judeus por natureza e não pecadores dentre os gentios, sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado. Mas se, procurando ser justificados em Cristo, fomos nós mesmos também achados pecadores, dar-se-á o caso de ser Cristo ministro do pecado? Certo que não!” (Gl 2.11-14).
Esse consenso mais uma vez foi colocado em dúvida por ocasião da visita de Pedro a Antioquia (Gl 2.11-21). Mas também, naquela ocasião, Paulo não cedeu um só milímetro da verdade do evangelho e agora, mais ainda, não tem intenção de diante dos judaizantes.
Paulo resistiu na face um apóstolo que foi escolhido por Jesus. Qualquer ministro que se torna culpado de erro e da hipocrisia, deve ser confrontado e repreendido (cf. 1ª Tm 5.19-21). Isso, sem favoritismo; até mesmo uma pessoa de destaque como o apóstolo Pedro, que foi grandemente usado por Deus, necessitou de repreensão corretiva. As Escrituras indicam que Pedro reconheceu a sua falta e aceitou a repreensão de Paulo, de modo humilde e arrependido. Posteriormente, ele refere-se a Paulo “nosso amado irmão Paulo” (2ª Pe 3.15).
Também Israel, citado na aliança de Abraão, estava condicionado a lei. Contudo, contra argumenta Paulo, assim o Evangelho torna-se um não evangelho (1.6-9), porque desaparece o escândalo da cruz de Cristo, ou seja, Cristo morreu em vão (2.21; 5.11). Assim o Evangelho deixa de ser a graça (1.6; 2.21; 5.4). Por quê? Quem vê a lei como parte integrante da aliança, de tal modo que a eleição da parte gratuita da parte de Deus encontra sua correspondência subseqüente no cumprimento humano da lei, concede à lei um lugar que, segundo Paulo, não lhe corresponde. Essa unidade entre aliança e lei como caminho de salvação para alcançar a vida concede às “obras da lei” uma importância que, conforme a visão do Apóstolo ela não pode ter. Quem assim procede quer ser “justificado pala lei” (2.21; 5.4); pretende apoiar-se em seus êxitos com a lei, e não está disposto a atribuir somente a Cristo a glória da redenção (Gl 6.13s). Não lhe basta “ser “justificado em Cristo” (2.17). Ele não confia unicamente na graça da cruz, mas atribui ao cumprimento da lei parte de sua redenção.
“Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado. Mas se, procurando ser justificados em Cristo, fomos nós mesmos também achados pecadores, dar-se-á o caso de ser Cristo ministro do pecado? Certo que não!” (Gl 2.16-17).
Paulo lida aqui com a questão de como o pecador poderá ser justificado, perdoado dos seus pecados, aceito por Deus e ter um justo relacionamento com Ele. Isso acontece, não pelas “obras da lei”, mas mediante a fé viva em Cristo Jesus. “Pelas obras da lei ninguém será justificado diante de Deus” não pode ser simplesmente uma descrição falatística da perversão do ser humano, mas expressa um juízo básico sobre os desígnios que o próprio Deus tem a respeito da lei. Deus não a deu para que ela, por sua vez, proporcionasse vida e justiça (3.21).
Isso significa que o Pai de Jesus não quer conceder o Espírito independente de Cristo. Por isso, Paulo, em Gl 3s, evita cuidadosamente estabelecer qualquer relação entre o Espírito e lei. Esse silêncio era eloqüente para o judaísmo daquela época, já precisamente esse fundamentava a sabedoria-Espírito com o Torá, a força vital da lei que se expressa na interiorização dos preceitos legais. Realizando essa separação, Paulo está abolindo o aspecto soteriológico da Torá, reduzindo a lei a uma mera “letra” que a partir de então somente pode “matar” pelo fato de o ser humano ser pecador (2ª Co 3.16).
Paulo percebeu que esse silêncio voluntário era o ponto fraco de sua posição, como demonstra sua insistência posterior em Rm 4.11s.
2. Voltar para a lei é construir aquilo que Jesus destruiu.
“Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, a mim mesmo me constituo transgressor. Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo. Não anulo a Graça de Deus, pois, se a justiça é mediante a lei segue-se que Cristo morreu em vão (Gl 2.18-19).
A nova vida da ressurreição, a autêntica vida de Cristo, outorgada pelo Espírito Santo, cancela de uma vez por todas a relação com a lei. Se a justiça provém da lei, Cristo morreu em vão, é o que afirma o apóstolo Paulo. Guardar a lei em Cristo é o mesmo que continuar no avião, ao findar a viagem, isto é um absurdo. Partir a lei em duas, ensinar que Cristo cumpriu uma parte e deixou a outra para cumprirmos, é ofender a graça de Deus, entristecer o Espírito Santo, renunciar aos lugares celestiais em Cristo Jesus (Ef 2.6) e meter-se debaixo do jugo da servidão.
Tentar encontrar uma posição de retidão diante de Deus através da lei significa “cair da graça”.
“Cristo se tornou totalmente inútil para vós, a vós todos os que sois justificados pela lei; da graça tendes caído” (Gl 5.4).
Vamos, portanto amontoar todas as nossas boas obras numa só pilha, e todos os nossos pecados numa outra – e fujamos de ambas, para a Cruz de Cristo, onde o perdão é oferecido aos penitentes. Pela fé somente em Seu sangue (Rm 3.25) é que podemos ser justificados.
3. A lei não justificou o homem diante de Deus.
A carta aos Gálatas é o mais antigo testemunho da mensagem da justificação por parte do apóstolo. Por isso, as teses sobre a justificação adquirem uma importância em sua parte central.
A carta aos Gálatas é o mais antigo testemunho da mensagem da justificação por parte do apóstolo. Por isso, as teses sobre a justificação adquirem uma importância em sua parte central.
“Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim. Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão” (Gl 2.20-21).
Paulo descreve seu relacionamento com Cristo em termos de união pessoal profunda com seu Senhor e da sua dependência dEle. Aqueles que tem fé em Cristo, vivem uma vida em comunhão intima com Ele tanto na sua morte, como na sua ressurreição. Todos os crentes foram crucificados com Cristo na cruz. Morreram para a lei como meio de salvação, e agora vivem para Deus por meio de Cristo (v.19). Por cauda da salvação em Cristo o pecado não tem domínio sobre eles (Rm 6.11; Rm 6.4, 8, 14; Gl 5.14; Cl 2.12, 20).
É mediante o Espírito Santo que a vida ressurreta de Cristo continuamente nos é comunicada (Jo 16.13-14; Rm 8.10-11). Participamos da morte e ressurreição de Cristo pela fé, a crença, a confiança, o amor, a devoção e a lealdade que temos no Filho de Deus que nos amou e se entregou por nós (cf. Jo 3.16). Esse viver pela fé pode ser considerado como viver pelo Espírito (3.3; 5.5; Rm 8.9-11).
Paulo descreve o crente justificado como tendo sido crucificado com Cristo (v.20), como sendo espiritualmente vivo (Rm 7.4, 6), como alguém que vive em Cristo (Gl 2.20; Jo 14.20; Cl 1.27), que vive uma vida de fé (Gl 2.20; Rm 1.17); e que sabe quem tornou essa vida possível. Paulo aponta, então, que a justificação pelas obras (“a lei”) é oposta a justificação pela graça mediante a fé. Ele também afirma que demais obras são, no final das contas obras (Gl 4.19-31). Se a salvação pode ser conquistada, então Deus está meramente dando o que é conquistado ou merecido, o que declara a graça nula e invalida; e nesse caso, Cristo teria morrido em vão. Ninguém jamais foi salvo guardando a lei. Paulo, assim como todos os crentes, teve de morrer para si mesmo (Rm 7.6).
A confiança em si mesmo traz a queda; a confiança em Deus traz a vida. Estas palavras são citadas três vezes no Novo Testamento (Rm 1.17; Gl 3.1; Hb 10.38). O homem foi e sempre será salvo pela graça mediante a fé. Todavia, no VT, Deus já alertava o Seu povo através do profeta Habacuque: “... mas o justo viverá pela fé” (2.4).
Do texto bíblico, e à luz de todo o contexto, percebe-se que a lei, embora ordenada para o bem, não conseguiu justificar ninguém, mas mostrou ao homem suas transgressões e culpas e o levou a conhecerem sua miséria e impotência e, partindo daí, a se humilharem diante de Deus, arrependerem-se e serem salvos mediante a fé. Todavia, em si mesma, a lei não tinha poder algum para levar o homem ao Criador:
“E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé. O homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo... pelas obras da lei nenhuma carne será justificada” (Gl 3.11- 16).
Paulo enfatiza que quem é justificado pela fé possui a verdadeira justiça interior, pois ele contrasta o justo com o ímpio, cuja a alma “não é reta nele” (Hc 2.4). Sendo assim Paulo cria que a justificação envolvia uma verdadeira justiça interior mediante o Espírito Santo habitando na pessoa.
Disse Paulo: “O justo vivera pela fé” Não da Lei, não da religiosidade, não das experiências meramente místicas, mas sim, da fé, que foi entregue pela graça de Deus (Ef 2.8). Sem graça não há fé e sem fé não há salvação.
Paulo faz uma declaração da diferença fundamental entre a lei e o Evangelho, pois somos justificados pela fé em Jesus Cristo. Do ponto de vista de um judeu consciente, todos os que não guardavam a lei eram “pecadores”.
Certo teólogo comparou a lei com um espelho, enviado para revelar a vida moral do homem. Disse ele: Se eu me puser diante de um espelho com meu vestuário, o espelho mostra-me o desarranjo, mas não o põe em ordem. Se eu sair numa noite escura com uma luz, esta me revela todos os obstáculos e dificuldades que se acham no caminho, mas não os remove. Além disso, o espelho e a luz não criam os males que revelam distintamente, nem os afastam, apenas revelam. Israel quando saiu do Egito estava tão deplorável que Deus precisou agir desta forma, usando a letra escrita (Lei) para poder purificar e santificar o povo de onde viria o Messias.
4. A decadência dos Gálatas.
Este juízo Paulino a respeito dos adversários em Gálatas nos leva a perguntar qual era a posição adotada pelos judaizantes.
Os judaizantes entenderam a eleição especial a Israel, e isto de um modo bem determinado: o principal é a idéia da eleição divina de Abraão e a sua descendência, o povo das doze tribos como prolongamento genealógico do patriarca. Gentios podem, excepcionalmente, por meio da circuncisão, e a guarda da lei, ser incorporados neste contexto, portanto, como prosélitos (cristãos). Por essa razão, Paulo argumenta severamente com os gálatas:
“Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi já representado como crucificado? Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne? Aquele, pois que vos dá o Espírito, e que opera maravilhas entre vós o faz pelas obras da lei, ou pela pregação da fé? Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti” (Gl 3.1-8).
Paulo recorda aos gálatas o início, quando se tornaram cristão. Paulo dirigiu aos gálatas seis questões retóricas:
A. Quem enganou vocês com um falso evangelho (v. 1).
B. Vocês receberão o Espírito por causa da fé ou por causa das obras da lei (v. 2)?
C. Vocês são insensatos ou ingênuos (v. 3)?
D. Vocês acham que a lei deve ser adicionada à obra do Espírito Santo (v.3).
E. Vocês sofrem sem necessidades (v. 4)?
F. Deus age em vocês pela lei ou pela fé (v.5).
Paulo demonstra a superioridade da salvação pela graça mediante a fé em Cristo sobre a tentativa de se obter a salvação mediante a obediência à lei. Mediante a fé em Cristo recebemos o Espírito Santo e todas as suas bênçãos, inclusive o dom da vida eterna. Porém, a pessoa que depende da lei para obter a salvação não recebe o Espírito, nem a vida, porque a lei em si não pode outorgar a vida (v. 11).
Esse evangelho, cuja ação é questionada, como dom espiritual dos gálatas (cf. a mesma argumentação em 2.7-9, não foi ele que os libertou da lei? Vocês querem agora concluir carnalmente o que iniciaram espiritualmente? Paulo explica aos gálatas que sua obediência a lei significa uma recaída na situação que eles há muito haviam superado. A lei, por sua vez, não pode modificar o Evangelho dado por Cristo.
O patriarca Abraão correspondeu com a exigência da fé e Deus o aceitou nessa base. O argumento do judaísmo, baseado em Gênesis 17, afirma que as bênçãos divinas foram prometidas a Abraão e aos seus filhos. Para se tornar semente de Abraão e ser incluído na sua linhagem, era necessário ser circuncidado. Mas o apóstolo Paulo diz que não; o que importa não é ser filho da carne, mas do Espírito, pela fé. Os filhos da promessa, ou seja, aos filhos de Abraão que haviam começado na lei do Espírito estavam voltando-se para a lei mosaica, acabaram na carne e por isso Paulo faz a seguinte pergunta:
“Aquele que vos dá o Espírito e opera maravilhas faz pelas obras da lei, ou pelas obras da fé?” (Gl 3.5).
A circuncisão como exigência da lei não deve ser vista isoladamente do conjunto entre aliança e lei. Com a observância da lei, o povo responde à aliança de Deus, aceitando-se o principio da Torá.
O discurso de Paulo na sinagoga de Antioquia diz:
“Tomai, pois, irmãos, conhecimento de que se vos anuncia remissão de pecados por intermédio deste; e por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés” (At 13.38-39).
Posto que a ressurreição e o perdão dos pecados por Cristo tivessem sido proclamados por Pedro (2.32, 36, 38; 3.15, 19; 5.30, 31; 10.40, 43), há este tempo ninguém tinha pregado tão explicitamente que os homens podiam ser justificados tão somente na base da fé. Obter pela fé posição com Deus que pudesse fazer entrar o indivíduo na posse da segurança da salvação significa que as obras da lei eram inúteis e desnecessárias. Isto significa um avanço novo e ousado na verdade a respeito de Cristo. Acima de tudo, marcou um novo começo no pensamento teológico da Igreja, depois dos acontecimentos desta jornada é que saiu a doutrina paulina da justificação pela fé. Por isso, já não se deve buscar a salvação através das provisões do antigo concerto, nem pela obediência às suas leis e ao sistema de sacrifícios. A salvação agora, tem lugar de conformidade com as provisões no novo concerto, a saber, a morte expiatória de Cristo, a sua ressurreição gloriosa e o privilégio subseqüente de pertencer a Cristo Jesus (Gl 3.27).
Convém analisar a posição de Paulo aos romanos para compreender o sentido dessa seção:
“Pois que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça. Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida. Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça” (Rm 4.3-5).
Creu Abraão em Deus. A salvação pela fé, e não pelas obras (pela guarda da lei), não é uma doutrina peculiar do NT; é um ensino característico do VT. Paulo retrocede no tempo, para além de Moisés, e toma Abraão como exemplo de fé. Abraão tinha fé em Deus, cultivava um dedicado e leal relacionamento com seu Deus, cria nas promessas (vv.20, 21; Gn 12.1-3; 15;5-6) e havia em obediência ao Senhor (Gn 12.1-4; 22.1-19; Hb 11.8-19; Tg 2.21-22).
A Abraão, a fé foi “imputada” por justiça. “Imputar” no gr. logizomai, significa creditar na conta da pessoa. A fé que Abraão tinha era uma fé genuína, pela qual ele perseverava, cria, confiava, obedecia, fortalecia-se e dava glória a Deus (vv. 16-21). Esse tipo de fé que nos torna filhos de Deus. Isso significa que a fé salvífica do cristão é tida como equivalente à justiça no tocante ao seu efeito.
Paulo fala seis vezes, em Rm 4, de “imputar” ou “atribuir a justiça” ao crente, e, em cada caso Paulo afirma claramente que é a “fé” do crente que lhe é contada ou imputada como “justiça” (vv. 3, 5, 6, 9, 11, 22).
Imputar a fé do crente como justiça não é, porém resultado exclusivo da nossa fé em Cristo ou da nossa entrega a Ele; é acima de tudo, um ato de graça e misericórdia divina (v.16).
Quando Deus vê o coração do crente voltado para Cristo com fé, Ele lhe perdoa, graciosamente, os pecados, imputa-lhe a fé como justiça e aceita-o como seu filho (vv. 5-8).
Na ilustração que Paulo deu a justiça no capítulo 4, ele não declara em parte alguma que a justiça de Deus ou de Cristo é, na realidade, imputada ou comunicada ao crente. Devemos tomar cuidado para não descrever a justificação como decorrente da guarda da lei do AT por Cristo, e daí comunicada por Ele, ao crente. Se a justificação fosse pelos méritos da guarda da lei, transferido ao homem, então não se trata do mesmo tipo de fé que Abraão (v.12), e isso por sua vez, anula a promessa (v. 14) e torna a salvação um resultado do mérito, e não da graça (v. 16). Paulo declara enfaticamente que a justificação e a retidão não decorre da lei (v. 13), mas da misericórdia, graça, amor e perdão de Deus (vv. 6-9), e que a fé de Abraão (sua crença, sua dedicação a Deus, sua forte confiança e inabalável firmeza em Deus e nas suas promessas), lhe é atribuída como justiça, pela misericórdia e graça de Deus (vv.15-22).
“Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé. Pois, se os da lei é que são os herdeiros, anula-se a fé e cancela-se a promessa, porque a lei suscita a ira; mas onde não há lei, também não há transgressão” (Rm 4.13-15).
O direito de estar diante de Deus vem somente pela fé. Abraão recebeu à promessa de Deus pela fé, muito antes que a lei de Moisés fosse enviada. A salvação não é obtida mediante a observação da lei. O legalismo muda o foco do poder de Deus, transferindo-o para a habilidade de alguns indivíduos em observar a lei. Com a lei surgiu um crescimento de consciência de pecado e ira de Deus. Por meio da fé é que se concretiza a promessa de Deus (2ª Co 4.6).
Os verdadeiros herdeiros de Abraão são os que recebem a promessa de Deus pela fé, assim como Abraão. Todos os que têm fé em Jesus Cristo são herdeiros da promessa de Deus. Os verdadeiros descendentes de Abraão não são aqueles que estão debaixo da lei, mas aqueles que têm fé (Rm 4.16-25).
5. Viver segundo a lei é estar debaixo de uma maldição.
“Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no livro da lei, para praticá-las. É evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé. Ora, a lei não procede da fé, mas, aquele que observar os seus preceitos por eles viverá. Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldito por nós” (Gl 3.10-13).
Aqui se contrapõe, de início, os que seguem a a fé e os que seguem a lei, e estes últimos que constroem sua vida a partir das obras da lei; estão sob maldição, sob a morte (3.13; 1ª Co 15.56), porque nunca conseguiram cumprir todos os preceitos da lei (Gl 3.10).
Se Paulo estivesse exigindo o cumprimento da lei para os Gálatas, estaria nesse sentido conduzindo os cristãos ao pecado, pois pela lei vem o conhecimento do pecado.
Todos os que olham unicamente para as próprias obras como mandamentos de Deus estão, de fato, debaixo da maldição. Aqueles que confiam insensatamente nas obras acreditam que têm dentro de si a capacidade de praticar tudo o que Deus mandar. Todavia, não há maneira humanamente possível de obedecer à lei completamente e o tempo todo. A lei não pode justificar ou salvar; ela pode somente condenar (Dt 27.26). Não é a obra humana, mas a obra de Cristo que salva.
A condenação aplica-se a todos os que estão debaixo da lei que era impossível de ser guardada. Cristo se fez maldito por nós e tirou-nos desta maldição, visto que nenhum homem pode cumpri-la. Cristo a cumpriu sem falha, e tomou sobre si a maldição por nós merecida, e pagou a nossa penalidade.
Paulo apresenta as alternativas da fé (v. 11) e da lei (v. 12) como formas de justificação. Entretanto, ao invés de justificar, a lei maldiz (v. 10), pois faz exigências que ninguém pode cumprir. A lei do Velho Testamento não vem da fé (13). Para que ninguém se glorie. Cristo cumpriu a lei e através da sua morte livrando-nos desta maldição.
Através da fé, recebemos os benefícios fornecidos por sua morte, incluindo a justificação (v. 11) e a promessa do Espírito.
Igualmente, a experiência do Espírito criador, que transforma radicalmente o homem (Gl 3.1-5; 3.26; 4.7), é uma indicação de que o homem somente conseguira corresponder à vontade de Deus se guiado pela fé, dentro do campo de força do Evangelho e do Espírito. Se o próprio Paulo pensa assim, deve ser examinado separadamente a partir do contexto. Em todo caso, com essa citação, ele não quer nem definir o pecado, nem insistir na possibilidade de observar a lei, mas apenas constatar a maldição, a situação de morte, em que vivia o homem. No contexto, ele também não diz que aqueles que não realizam as obras da lei estão carregados de maldição. Eles se diferenciam daqueles que vivem da fé e estão na benção de Abrão (3.9).
A essa afirmação, segundo Paulo, deve acrescentar-se ainda: os que seguem a lei não são somente pecadores, eles também esperam algo falso da lei, pois o próprio Deus estabeleceu na Escritura que somente o que é justo, a partir da fé, alcançará a vida (3.11). Essa citação de Hc 2.4 coincide com a palavra de Deus a Abraão em Gn 15.6 = Gl 3.16. Desse modo, a própria lei indica que para obter a salvação falta ir por cima e para além dela própria. Os judaizantes esperam da lei algo que ela não pode dar. Com isso, Paulo tem o caminho livre para conceber a descendência de Abraão, para quem vale a promessa divina, em sentido exclusivamente cristológica (Gl 3.16), para encontrar o caminho da salvação, na comunidade cristã da fé.
6. A promessa e a lei.
“Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade. Não diz: e às posteridades, como se falando de muitas, porém como de uma só: E a tua posteridade, que é Cristo. E digo isto: Uma aliança já anteriormente confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a pode ab-rogar, de forma que venha a desfazer a promessa. Porque, se a herança provém da lei, já não decorre de promessa; mas foi pela promessa que Deus a concedeu gratuitamente a Abraão” (Gl 3.16-18).
Deus deu a promessa da justificação pela fé a Abraão e a lei para uma vida correta a Moisés. A palavra grega “epangelia” (lit. promessa imutável) é usada nove vezes no capítulo 3. As mesmas promessas de aliança feitas a Abraão para justificação dele são feitas a todos das gerações seguintes, que creem pela fé.
Isaque era em si incapaz de trazer as bênçãos a todos os povos, portanto Cristo é a verdadeira Semente, em que as promessas têm seu cumprimento. A lei dada a Moisés quatrocentos e trinta anos depois da promessa, não pode invalidar a promessa que Deus fez com Abraão, todavia a lei veio depois da promessa.
A primeira afirmação aos Gálatas, Paulo explica que o princípio da fé é mais importante do que a lei Mosaica. A lei foi um parêntese que Deus abriu no Sinai e que se fechou no Calvário. A lei mosaica é à sombra da graça de Deus aos homens. Nossa herança, ou seja, nossa salvação vem da graça, e não da lei.
Talvez em nenhuma outra passagem da Escritura o objetivo da lei esteja tão explicado como na carta aos Gálatas. O apóstolo Paulo pergunta:
“Qual, pois, a razão de ser da lei? Foi adicionada por causa das transgressões, até que viesse o descendente a quem se fez a promessa, e foi promulgada por meio de anjos, pela mão de um mediador” (Gl 3.19).
A segunda afirmação de Paulo em Gl 3.19, limita o tempo em que a lei deveria agir assim, foi adicionada até que Cristo viesse”. O descendente é Cristo, que veio para finalizar a lei; “Porque o fim da lei é Cristo, para a justiça de todo aquele que crê” (Rm 10.4).
A lei foi adicionada (interpolada, introduzida, alterada), para que os judeus reconhecessem as transgressões. “Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3.20).
No mesmo capítulo 3 de Gálatas versos 21, 22 Paulo faz a seguinte pergunta:
É porventura, a lei contrária às promessas de Deus? De modo nenhum! Porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente da lei. Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que creem”.
A lei não é contrária às promessas de Deus, mas foi adicionada por Deus devido às transgressões dos homens. A promessa foi feita a Abraão e a lei por Moisés, e a graça por Cristo.
Aqui abrange os textos citados em prol do argumento de que a lei é secundária, dada para encerrar todos sob o pecado e de que a fé é primária porque concede vida.
Se considerarmos que os adversários tenham um conceito tipicamente judaico da lei, sua tese seria que a lei era válida absolutamente antes de existir o mundo e para sempre (cf. 3.2). A lei, contudo foi tardiamente “acrescentada” e não está destinada a permanecer. Deus quer que ela, desde Moisés até à pregação da fé, realize sua função coercitiva dos pecadores. Ela não possui outra incumbência, e esta somente por um tempo determinado.
Segue duas outras afirmações, que devem ser consideradas conjuntamente: A lei foi dada por anjos e pelas mãos de um mediador, Moisés. De qualquer modo, os anjos são espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação (Hb 1.14). Paulo não poderia encontrar as promessas de Deus (como as de Gl 3.6-9) na lei, nem poderia, mais tarde, em Gl 5.14, considerar o amor, num sentido especial, também como cumprimento da lei. O certo é que a mediação dos anjos (próximos a Deus) significa que não se liga diretamente a Deus:
“Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei Pai, e ele me será Filho? E, novamente, ao introduzir o Primogênito no mundo, diz: E todos os anjos de Deus o adorem” (Hb 1.5-6).
A lei não tem essa proximidade por que tal caso, Deus como testador direto das promessas, teria podido complementar seu primeiro testamento com a lei. Não sendo Deus o autor direto da Torá, também essa não pode complementar a promessa feita a Abraão. Por causa da multiplicidade dos anjos, também se torna necessário um único mediador (3.20). Também aqui a posição da revelação, e Deus, naturalmente, fala diretamente com Moisés (cf. Êx 34).
Paulo confirma essa ausência de proximidade com outro argumento: Deus fala diretamente com Abraão (Gl 3.6-9), e os cristãos, por meio do Espírito, têm proximidade imediata com Deus (Gl 4.6). Essa filiação divina produzida pelo Espírito não necessita mais de babá, provém, para os crentes, unicamente do Espírito de Cristo prometido a Abraão. Diante dessa relação direta com Deus, a lei simplesmente oferece muito pouco aos cristãos. Não é por acaso que Paulo desenvolve essa temática da proximidade evangélica no início, em Gl 3.1-5 e no final, em 4.1-7. Agora esta claro que o evangelho e o Espírito levam a filiação e garantem a salvação dos justos. A lei surgiu diante da pessoa como exigência externa (3.23s; 4.1-3). O evangelho, como suporte do Espírito, leva até o Pai de Jesus Cristo, partindo diretamente de dentro.
7. Fraqueza e inutilidade da lei.
As leis dadas a Moisés no Antigo Testamento não foram capazes de salvar ninguém, por isso foi invalidada. Note o que Paulo diz aos Gálatas:
“porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente da lei” (Gl 3.21).
Os israelitas, porém, eram incapazes de cumprir a lei, razão pela qual Cristo a cumpriu por eles. Porque a lei estava enferma:
“Portanto o que fora impossível à lei, visto que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado,” (Rm 8.3).
Embora concedida por Deus, a lei (o código escrito) era impotente para permitir que as pessoas atingissem suas exigências, pois tinha de depender da natureza pecaminosa para realizá-las.
A semelhança da carne: a natureza humana de Jesus era real, mas sem pecado (ver Fl 2.7-8; Hb 2.17; 4.15; 1ª Pe 2.22).
A carta aos Gálatas é o escrito que para nós hoje constitui a primeira declaração mais ampla do apóstolo sobre a questão da lei. Na polêmica sobre a lei, o apóstolo nega que esta tenha alguma relação com aliança de Abrão e com o Espírito; assim, a lei nunca teve, segundo seu julgamento, o objetivo de proporcionar vida (Gl 3.21; cf. Rm 11.14). Deus estabelece desde o princípio uma diferença entre lei e evangelho. Assim sendo, em Gl 3s a aliança de Abraão, Cristo, o evangelho e o Espírito constituem uma unidade, enquanto a lei não tem absolutamente nada a ver com essas grandezas. Para isso, a lei surge demasiadamente tarde e deve ceder lugar, com Cristo, para a fé. Ela desde o início foi promulgada por Deus aos anjos, para servir de “tutor” para os pecadores.
8. A lei nos serviu de aio.
“De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo para que pela fé fôssemos justificados. Mas depois que a fé veio já não estamos debaixo do aio. Porque todos são filhos de Deus pela fé em Cristo. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gl 3.24-29).
A lei de Deus nunca teve o propósito de justificar pecadores. Como “aio”, (gr. paidagogos), a lei foi dada como padrão para revelar a iniqüidade e a imperfeição humana.
O “aio” representa uma função única nas antigas famílias gregas e romanas. O aio, ou paidagogos, “tutor”, não era mestre, mas o guia e guardião que disciplinava a criança. No mundo romano, um escravo de confiança da família era encarregado de tomar conta do menino entre seis e dezesseis anos; levá-lo á escola e trazê-lo de volta para sua casa, supervisionando sua conduta. Semelhantemente, a Lei exercia apenas um papel disciplinar, servindo de aio para conduzir-nos a Cristo. Isso mostra a sua inferioridade em relação ao Evangelho. Sua função terminou com a vinda do Messias (Gl 3.25). Agora, somos livres da Lei, mas dependentes da graça de Deus.
Paulo descreve o poder do Evangelho em contraste com a lei. A lei conduziu Israel ao Messias, e Ele os tirou dessa maldição. Somos justificados pela fé, ficamos livres da lei, tornamo-nos filhos de Deus, somos um em Cristo, as divisões desaparecem, e somos também herdeiros da promessa, descendentes de Abraão. Depois que a fé veio não estamos mais debaixo do aio, ou seja, debaixo da lei.
A lei mosaica funcionou como tutor do povo de Deus até que viesse a salvação pela fé em Cristo. Agora que Cristo já veio, acabou a função da lei como supervisora. Por isso, já não se deve buscar a salvação através das provisões do Antigo Concerto, nem pela obediência às suas leis ou sistema de sacrifícios.
“E por isso é mediador de um Novo Testamento, para que, intervindo a morte para a remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro Testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna. Porque onde há testamento necessário é que intervenha a morte do testador. Porque um testamento tem força onde houve morte; ou terá ele algum valor enquanto o testador vive?” (Hb 9.15-17).
A salvação agora tem lugar de conformidade com as provisões no Novo Concerto, a saber: a morte expiatória de Cristo, Sua ressurreição gloriosa e o privilégio de sermos chamados filhos de Deus por adoção. Na velha aliança não houve morte, e por isso não deixou de ter valor, mas no Novo Testamento houve morte, por isso tem validade.
A lei continua sendo o mestre, mas somente Cristo é o Salvador. A lei determina as justas exigências de Deus e revela que todas as pessoas são culpadas por serem incapazes de cumprir perfeitamente todas as exigências da lei. Aqueles que crêem em Cristo não são mais considerados culpados, mas são contados como justificados perante de Deus.
Basta recordar que na carta aos Coríntios, Paulo utiliza uma linguagem suave, e coloquial com seus leitores. Que leva em conta essa possibilidade, recordará também que Paulo já viveu, em seu período antioqueno, uma situação muito semelhante a de Gálatas, quando se abordou a questão do vinculo de unidade no cristianismo, e a resposta foi esse vínculo não podia ser a lei judaica.
É surpreendente que a idéia de justificação, em sua forma tipicamente paulina, tinha como base a teologia, eleição e a teologia da cruz e, em momentos centrais, isso só ocorre, nas cartas anteriores a Gálatas, somente em passagens típica que contenham afirmações tradicionais, e muito esporadicamente.
Na questão sobre a origem da mensagem da justificação, também se deve deixar de considerar que Paulo somente recorre a ela em contextos altamentes polêmicos contra os judaizantes, ou seja, em Gálatas e Filipenses, antes de desenvolvê-la aos romanos, também com uma apresentação mais objetiva.
É possível constatar que havia nas Escrituras passagens importantes que puderam nutrir as idéias de Paulo. São aquelas que ele usou mais de uma vez, para apoiar sua teologia. Delas fazem partes: (Hb 2.4) “O justo viverá pela fé” (Rm 1.17; Gl 3.11), “e por meio da fé em Cristo Jesus, todos são filhos de Deus” (Gl 3.26).
A visão de conjunto de Gálatas mostra que seus textos sobre a justificação se restringe ao discurso contra Pedro em Gl 2.14-21. O discurso contra Pedro, com isso, assume a tarefa de introdução e apresentação dos pontos decisivos contra o legalismo.
O que Paulo afirma sobre a justificação do pecador em concreto? Afirma algo que não pode surpreender o leitor de Gl 3s, a justificação acontece “sem lei” (Rm 3.21). É uma reiteração de Rm 3.20, 28.
9. A lei era tutor até a vinda do Messias.
“Digo, pois, durante o tempo em que o herdeiro é menor, em nada difere de escravo, posto que Ele é o Senhor de tudo. Mas está sob tutores e curadores até ao tempo predeterminado pelo Pai. Assim, também nós, quando éramos menores estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo. Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob lei. Para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração, o Espírito de Seu Filho, que clama: – Aba, Pai! De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gl 4.1-7).
Paulo relembra a seus leitores que um dia, o cristão estava debaixo da lei, mas agora debaixo da graça. Pela redenção, os homens se tornam filhos de Deus, adotados pela família dele e herdeiros das riquezas de Deus na terra e no céu (Rm 8.16-17).
Cristo nasceu se submeteu a lei judaica para resgatar-nos do seu poder. E hoje não vivemos mais sob a lei, mas na lei do Espírito de vida em Cristo Jesus.
Quando Paulo diz “éramos menores”, quer dizer, quando estávamos debaixo de tutores e curadores, ou seja, debaixo do “aio”, e éramos iguais ao escravo, mas vindo o Filho de Deus nos resgatou da maldição da lei, isto é, nos libertou e nos tirou desse jugo pesado. Paulo refere-se também ao homem sem Deus, sujeito aos rudimentos do mundo; Mas quando o cristão recebe Cristo como seu Salvador, passa a ser filho por adoção, e está liberto dos rudimentos do mundo. A missão do Senhor Jesus neste mundo foi libertar-nos da escravidão de Satanás, dos rudimentos do mundo, de sorte que não somos mais escravos, mas filhos por adoção e sendo filhos herdeiros de Deus Pai. Antes de Cristo, a observância da lei dependia em grande parte do esforço humano. Esta foi à falha que provocou a tristeza de Deus. Ao apresentar Cristo como o fim da lei, o Novo Testamento cumpre a profecia de Jeremias quando diz:
“Vêm dias, diz o Senhor, em que farei uma aliança nova com a casa Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que tomei pela mão, para tirá-los da terra do Egito, porque eles invalidaram a minha aliança, apesar de eu os haver desposado, diz o Senhor. Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois daquele dias, diz o Senhor. Porei a minha lei no seu interior, e escreverei no seu coração. Eu serei seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará alguém mais a seu próximo, nem alguém a seu irmão, dizendo: Conhecei ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior, diz o Senhor. Pois lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais lembrarei dos seus pecados” (Jr 31.31-34).
Comentado esta profecia, o autor da Epístola de Hebreus registra: “Quando ele diz: Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer” (Hb 8.13). Por isso Jesus afirma: “Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João” (Mt 11.13). O que Jesus está dizendo é que a Lei e os profetas acabaram em João Batista.
A lei surgiu somente “por causa da transgressão”, longe de ser portadora do Espírito e vida. Ela é uma babá do pecador, devendo vigiá-lo e obrigá-lo a obedecer (3.22, 24; 4.1-3), para que seja possível uma convivência relativamente regulamentada entre os pecadores (Rm 13.3).
A lei oferece um remédio paliativo contra o pecado, porque Deus prevê culto e expiação para os delitos. Mas Paulo não quer nem saber da lei como meio de salvação. Ele ignora, embora a conheça e saiba que seus adversários – com a alusão ao calendário litúrgico – destacam precisamente essa vertente ao calendário da lei. Ele reage em tom polêmico: a lei foi desde o início dada por Deus como uma babá e nada mais.
10. A lei era um rudimento fraco.
“Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são; mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco” (Gl 4.8-11).
Os crentes da Galácia foram conduzidos ao ritualismo dos judaizantes. “Dias” se refere ao sábado bem como aos dias de festa. “Meses” são uma referência à celebrações como as mencionadas com sarcasmo por Isaías (Is 1.14). “Tempos” indicam as celebrações festivas, e “anos”, provavelmente aos anos jubilares. Paulo colocou essa observância ritual na mesma categoria dos festivais pagãos, nos quais a observância de acontecimentos foi distorcida em ritual legalista.
Os judaizantes exigem o cumprimento de todos os mandamentos da lei. E isso opõe ao evangelho. Paulo exorta os cristãos, portanto, ao não cumprimento da lei judaica, vendo unicamente a chance de eles se salvarem se crerem independentemente da lei. A observação da lei é inclusive prejudicial para a salvação, porque é algo similar a idolatria.
11. Como ama que cria seus filhos.
“Meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós; pudera eu estar presente, agora, convosco e falar-vos em outro tom de voz; porque me vejo perplexo a vosso respeito” (Gl 4.19-20).
Muitos cristãos recentes da Galáxia retornaram aos falsos ensinamentos e perderam a alegria da salvação. Profundamente angustiado, Paulo chamou os crentes da Galácia de “meus filhos”; comparou o relacionamento dele com os gálatas e uma mãe com dores de parto, que aguarda ansiosamente pelo nascimento do filho – uma experiência de profunda dor, porém íntima. “Pais espirituais” amam as pessoas a quem eles conduziram a Cristo assim como uma mãe ama seu filho.
12. A duas alegorias.
“Dizei-me vós, os que quereis estar sob a lei: acaso, não ouvis a lei? 22 Pois está escrito que Abraão teve dois filhos, um da mulher escrava e outro da livre. 23 Mas o da escrava nasceu segundo a carne; o da livre, mediante a promessa. 24 Estas coisas são alegóricas; porque estas mulheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Agar. 25 Ora, Agar é o monte Sinai, na Arábia, e corresponde à Jerusalém atual, que está em escravidão com seus filhos. 26 Mas a Jerusalém lá de cima é livre, a qual é nossa mãe; 27 porque está escrito: Alegra-te, ó estéril, que não dás à luz, exulta e clama, tu que não estás de parto; porque são mais numerosos os filhos da abandonada que os da que tem marido. 28 Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque. 29 Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora. 30 Contudo, que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava será herdeiro com o filho da livre. 31 E, assim, irmãos, somos filhos não da escrava, e sim da livre” (Gl 4.21-31).
Ainda é preciso uma breve consideração sobre a seqüência da argumentação em Gl 4.8-5.12. Além de afirmar a posição até aqui desenvolvida, pouco se pode esperar. Paulo quer mais uma vez fundamentar suas duras afirmações a respeito da lei. Para isso, recorre à provável mais antiga alegoria de Agar e Sara. Com toda certeza, é direcionado contra os judaizantes. Como estes defendem um ponto de vista intra-judaico, Paulo também argumenta partindo da caracterização expressa do judaísmo como religião da lei.
“Abrão teve dois filhos um da mulher escrava e outro da livre”. Paulo emprega uma ilustração para demonstrar a diferença entre o antigo e o novo concerto. Agar representa o antigo concerto, firmado no monte Sinai (v.25); os seus filhos vivem agora sob esse concerto e nascem segundo a carne (v. 23), não têm o Espírito Santo. Sara, a outra esposa de Abrão, representa o novo concerto; os filhos, os crentes em Cristo, têm o Espírito e são verdadeiros filhos de Deus.
Os herdeiros da promessa abraâmica são os gentios cristãos. Israel, por sua vez, continua, com sua lei, até hoje na escravidão sem salvação.
13. O protesto de Paulo.
“Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão” (Gl 5.1).
A liberdade se baseia na redenção: Da culpa dos nossos pecados; das forças do maligno; da lei com sua maldição (3.1-13); e seu jugo. Cristo é o único Mestre e Salvador. Se colocarmos outro a Seu lado, Ele deixa de ser mestre é o que Paulo continua dizendo:
“Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei. De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes” (Gl 5.2-4).
Quem quiser tornar-se justo perante a lei, abandonou Cristo e sua graça. Essa é a posição de Paulo. Concretamente, isso significa que a observância da lei na Galácia, compreendida materialmente como circuncisão e observância do calendário festivo – é prejudicial. Longe da concepção de que pecado seja apenas uma falta do cumprimento de um preceito, aqui exatamente se proíbe o próprio cumprimento da lei (ainda, que em outros contextos, também o não cumprimento da lei moral possa ser pecado).
Os gálatas devem fazer uma escolha clara entre a lei e a graça. Aqueles que optarem pela justificação através das obras da lei, caíram da graça, pois é impossível ter duas maneiras. Em outras palavras, a operação eficaz da graça do poder de Deus torna-se ineficaz na vida de qualquer pessoa que confie em seus próprios esforços para a salvação.
“Porque nós, pelo Espírito, aguardamos a esperança da justiça que provém da fé. Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor” (Gl 5.5-6).
Após a apresentação da teologia da eleição (6.2) que culmina na teologia da cruz, seria extraordinário que Paulo não falasse também do Espírito. E, de fato, em Gl 3.2-5.14; 4.6; 5.5 fala dele apresentando-o como a força do Evangelho que transforma os homens. Essa ação do Espírito agora é interpretada em termos da teologia da cruz. O Evangelho remete à graça de Cristo (1.6s), fazendo com que o homem morra para a lei, para que possa viver para Deus (2.19a). Quando essa mudança que é operada pelo Espírito Santo aparece em relação com o conceito de “nova criação” (6.15), torna-se claro o do Espírito no Evangelho, que só acontece mediante a morte do homem, corresponde objetivamente à concepção paulina na correspondência coríntia (cf. cap. 8), sendo uma nova versão da hermenêutica da ação transformadora do Espírito a partir da teologia da eleição (6.2). Essa descrição significa que a justificação é a morte espiritual, porque atua o Deus que dá a vida ao que não existe (1ª Co 1.28).
O problema dos gálatas era a busca da certeza da salvação através da circuncisão e da lei. Então Paulo afirma que nossa garantia é o Espírito que nos apresentará perante Deus perfeito na justiça de Cristo (3.3; Ef 1.13). Os verdadeiros crentes aguardam ansiosamente pelo Espírito para serem aceitos por Deus por meio da fé e não da lei. Para os gentios que tinham aceito o evangelho, a obrigação de passar pela circuncisão, para garantir a salvação, era anular a graça de Deus e tornar vã a morte de Cristo (2.21).
Paulo em 4.2ss recorda aos gálatas que outrora ele, como pessoa enferma, realizou a missão entre eles, e que eles, apesar disso, não o rejeitaram, antes, o acolheram como um mensageiro de Deus, como o próprio Jesus Cristo. Agora, porém, por causa deles, ele se encontra entre eles, naturalmente como crucificado (4.19). Já a sua franqueza se havia revelado em conformidade com a cruz, de modo que o sucesso da missão na Galácia tivera que ser unicamente atribuída à força do Evangelho que nasce na cruz. Esse conceito pode ainda ser assegurado pelo fato de que a expressão “gloriar-me” na cruz de Cristo, que aparece um tanto desconexa e somente ao final da polêmica, e que coexiste paradoxalmente com o “morrer” do homem (Gl 6.14), é um eco do discurso da loucura de 2ª Co 8.14. É um discurso atualizado, pois Paulo gloria-se aqui em oposição aos adversários, que presumem da circuncisão dos gálatas (6.13), enquanto no discurso da loucura os super-apóstolos se gloriavam em oposição a Paulo, que presumia de sua força.
A partir dessas observações, Paulo tenta explicar aos gálatas, enquadrando-as no amplo horizonte de uma nova compreensão da história da salvação, dando uma nova definição e qualificação a partir da mensagem da fé, com o centro no evento de Cristo, a eleição de Abraão e a legislação mosaica, para que os gálatas vejam claramente que, com os dons do evangelho do Espírito, eles têm o suficiente para a salvação. A salvação que procede do Espírito não pode ser mais intensificada, pois que clama “Abba” sob o sinal do Espírito, tem em Cristo o Deus salvador de um modo que não se pode superar. Qualquer complementação por meio da exigência da circuncisão viria a destruir tudo isso. Assim como Paulo também pode dirigir-se à comunidade de Tessalônica, dizendo que eles acolheram o Evangelho “com poder do Espírito Santo” (1ª Ts 1.5), que, como “Palavra de Deus”, está “produzindo efeito” nos fiéis (2.13), do mesmo modo ele pode esperar também dos gálatas a confirmação de que o Espírito atuou intensamente neles por causa da pregação paulina, e não por causa das “obras da lei” (Gl 3.5).
“Vós corríeis bem; quem vos impediu de continuardes a obedecer à verdade? Esta persuasão não vem daquele que vos chama” (Gl 5.7-8).
O falso ensino, ou nega as verdades fundamentais da fé cristã, ou declara que é necessário algo mais além do NT para o crente ser um cristão completos.
Todo o ensino cristão deve ser averiguado pelo teste da verdade apostólica. O ensino em evidência conforma-se com a mensagem original de Cristo e dos apóstolos conforme o NT? (cf. 1.11-12; 2.1, 2, 7-9). Devemos fazer as duas seguintes perguntas: algum ensino omite parte da mensagem apostólica? Ou acrescenta-lhe algo extra-bíblico, embora reconhecendo a mensagem apostólica? Nunca devemos averiguar tais ensinos exclusivamente pelos nossos sentimentos, experiências, resultados, milagres ou aquilo que outras pessoas estão dizendo. O NT é o padrão supremo da verdade. Devemos acautelar-nos de qualquer ensino afirmando que as Escrituras já não são suficientes e que a igreja precisa de novas revelações a fim de alcançar sua maturidade em Cristo. Paulo rejeita por princípio todo e qualquer aditivo para o evangelho, pois falsificaria o próprio Evangelho. Por isso, ele tem que criticar a lei. Paulo apresentará a lei como algo carente do Espírito e sem comunicação direta com Deus, destinada a fins já superados pelo Evangelho, e descreverá a pregação da fé como instrumento do Espírito para o cumprimento da promessa abraâmica e como meio para alcançar a filiação pós lei.
No capitulo 3.1 de Gálatas Paulo diz: “Quando eu estava aí, ensinando a vocês a verdade, apresentei um salvador que todo o castigo pelos seus pecados. A sua morte e, subseqüente, ressurreição já foi o pagamento final de Deus pelos nossos pecados. Pagamento total! Tudo o que tem a fazer é crer que ele morreu e ressuscitou dos mortos por você. Ele foi publicamente exibido para que todos vissem, e agora a verdade pode ser declarada para que todos creiam. Vocês creram nisso certa vez e foram gloriosamente libertados. Mas, não agora. Quem levou a mudar da lealdade à glória de Deus para as opiniões humanas, da obra do Espírito para os efeitos da carne?”.
Paulo está acostumado a utilizar de suas afirmações teológicas da primeira missão como base de suas afirmações, seja para fortalecer a comunidade, seja para atrair novamente uma comunidade já praticamente perdida para uma missão estranha. Não foi a ação do Espírito que motivou no Concílio Apostólico e o reconhecimento da missão de Antioquia (5.2)? Paulo não abre a discussão sobre “o que ocorreu na cruz (cf. Gl 3.13) ou sobre as conseqüências desse acontecimento para a interpretação da lei”. Ele se orienta muito mais no efeito que a pregação do Evangelho, livre da lei.
A defesa do Evangelho livre da lei judaica havia a finalidade decisiva da argumentação em 3.1; 5.12. Mas a fim de que a liberdade diante da lei não deixe o cristão na libertinagem, antes, que a vida no Espírito deve pautar a conduta espiritual.
“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor” (Gl 5.13).
A liberdade que vem através de Cristo (5.1) é, acima de tudo libertação da condenação e escravidão do pecado e da lei. A verdadeira libertação começa quando o ser humano se une a Cristo (Ef 1.7) e recebe o Espírito Santo. A libertação da escravidão espiritual é mantida através da presença continua do Espírito Santo no crente, e pela obediência desde à orientação do Espírito: “Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei. (Gl 5.18).
A liberdade proporcionada por Cristo não é uma liberdade para o crente fazer o que quer (1ª Co 10.23-24), mas para fazer o que deve (Rm 6.18-23). A liberdade espiritual nunca deve ser usada como pretexto para o mal, nem como justificativa para conflitos (Tg 4.1-2; 1ª Pe 2.16-25). A liberdade cristã deixa o crente livre para servir a Deus (1ª Ts 1.9) e ao próximo (1ª Co 9.19), segundo a justiça (Rm 6.18ss). Agora somos servos de Cristo (1ª Co 7.22; Rm 1.1; Fl 1.1), vivendo para agradar a Deus, pela graça (Rm 5.21; 6.10-13).
Essa compreensão da lei pode ser comprovada pelo modo em que Paulo fundamenta e descreve a conduta cristã. A comunidade cristã vive no Espírito de liberdade e não sob o jugo da lei, como Paulo garante em Gl 4.21-31. Portanto os cristãos são chamados à liberdade diante da lei (5.13). Por viverem no Espírito, devem também pautar sua conduta no Espírito (5.25). Pois, tendo recebido o Espírito, eles estão em tal proximidade com Deus (4.6s), sendo diretamente instruídos por Deus, podendo assim discernir a sua vontade (Rm 12.1s; Fl 4.8; 1ª Ts 4.8s). E o cristão guiado pelo Espírito também se encontra, obviamente, com normas que podem reger sua vida. Paulo pode assim afirmar que o mandamento do amor é para os cristãos uma síntese da regulamentação da lei (Gl 5.14); mas o preceito do amor é, por sua essência e seu caráter obrigatório, a lei de Cristo (Gl 6.2), uma norma que nasce do sentido profundo da vida de Cristo e segue sua trajetória (Rm 15.1ss; Fl 2.1ss). Por isso mesmo, é obrigatório, pois não é uma exigência que vem do exterior como letra da lei, mas é a presença interna de Cristo no crente por meio do Espírito.
IX. A LEI ERA UMA PROMISSÓRIA QUE CRISTO RESGATOU
“E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com Ele, perdoando todas as vossas ofensas. Tendo cancelado o escrito de dívidas, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Cl 2.13-14).
O escrito é o contrato de obrigação de guardar a lei junto com a penalidade pronunciada contra aqueles que não cumpriam a lei, (conforme Gl 3.13). Cristo cumpriu esta ordenança pesada e cravou-a na cruz, dando-nos a liberdade.
A liberdade do cristão é condicionada pela sua relação a Cristo como cabeça controlador e ao corpo (Igreja). Não se submeter a Cristo garante a introdução de erro e pecado na fraternidade.
A salvação não é alcançada mediante a observância ritual. Cristo é o cumprimento do que é tipificado nos ritos da lei, libertando-nos da servidão do legalismo (Rm 2.25-29; 2.27-31; 10.4). Em sua identificação com Jesus, os crentes compartilham as experiências do Senhor. Eles não precisão de mais nada.
X. A LEI MOSAICA JÁ FOI REVOGADA
“Portanto, por um lado se revoga a anterior ordenança, por causa de sua fraqueza e inutilidade. Pois a lei nunca aperfeiçoou coisa alguma e, por outro lado, se introduz esperança superior, pela qual nos chegamos a Deus” (Hb 7.18-19).
A lei mosaica que era composta por 613 mandamentos, se tornou inútil por causa de sua fraqueza, não podendo aperfeiçoar ninguém.
Revogar no grego “athetesis”, e em Hb 9.27, a mesma palavra equivale a “aniquilar”. Por causa da sua franqueza a lei e as cerimônias do AT, não foram capazes de salvar ninguém (At 15.10; Rm 7.7; 8.3). Revogar, segundo o dicionário da língua portuguesa, quer dizer: tornar nulo, desfazer, tornar sem efeito, fazer que deixe de vigorar. Observe-se que em Hb 7.18 se diz claramente que “se revoga a antiga ordenança” e, em Ef 2.15, Paulo diz que “Cristo aboliu no calvário a lei dos mandamentos na forma de ordenanças”.
A lei, nesse esquema antagônico, está subordinada ao tempo antigo já superado, pois ela nem mesmo pode conduzir a Cristo. Ela, ao contrário é limitada e abolida por Cristo (Gl 3.24s; 4.2-4).
XI. OS OBJETIVOS DA LEI
A maneira dos judaizantes e os demais legalistas interpretarem a lei trouxe muitos problemas á Igreja dos dias apostólicos. De igual modo, os judaizantes de hoje ainda não perceberam a utilidade da lei mosaica; ela veio por causa da transgressão:
“Qual, pois, a razão de ser da lei? Foi adicionada por causa das transgressões, até que viesse o descendente a quem se fez a promessa, e foi promulgada por meio de anjos, pela mão de um mediador” (Gl 3.19).
A Bíblia afirma, também, que “pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3.20); se não há lei, não pode haver pecado (Rm 4.15). E mais: O homem não teria conhecido o pecado se não fosse pela lei (Rm 7.7).
Demonstrar a necessidade da graça divina.
“Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (João 1.17).
É muito importante entender que Deus não se revelou plenamente através da lei, mas através do Seu Filho Jesus. O conceito da lei encerra todo o homem debaixo da condenação do pecado; o conceito da graça apresenta o Filho de Deus como Justo e Justificador.
A lei não veio como solução, mas para conscientizar os homens quanto ao pecado e á necessidade da graça de Deus – algo que transcendesse á própria Lei:
“Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, no futuro, haveria de revelar-se” (Gl 3.23).
A lei é santa (Rm 7.21), porém inadequada para a salvação (Rm 3.20). O propósito dela é duplo: revelar e definir o pecado até ao cumprimento da promessa.
Como João testifica, a relação do caráter de Deus está muito mais relacionada com Sua graça do que com a rigidez e intolerância da lei. Obviamente que a lei tem um papel fundamental no sentido de definir o pecado, estabelecendo também a devida condenação para o transgressor.
Desta forma fica fácil entender que o uso isolado da lei faz de cada ser humano um réu sem chances. Podemos enfatizar as “fraquezas da lei” que ostentam a sublimidade da graça de Deus.
A lei do Velho Testamento era à sombra das coisas vindouras até que viesse o Messias, portanto, não se deve usar como forma de doutrina no tempo da graça, pois a salvação aos gentios não veio pela lei, mas pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Se fosse pela lei então Cristo morreu em vão (Gl 3.18-19). A lei era à sombra das coisas vindouras para que os homens pudessem conhecer a luz do mundo através da graça de Cristo manifesta entre os homens.
XII. PELA LEI ESTÁVAMOS SEPARADOS DE DEUS
O homem nunca conseguiu se aproximar de Deus pela lei, mas Cristo pela Sua graça nos trouxe perto de Deus, mas a lei se tornou inútil para aperfeiçoar qualquer ser humano.
“Mas, agora, em Cristo Jesus, vós que estáveis longes, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenança, para que dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade” (Ef 2.13-16).
Deus estabeleceu paz entre judeus e gentios, destruindo a barreira de hostilidade e de inimizade espiritual entre eles. Cristo cumpriu a lei (Mt 5.17; Rm 10.4), vencendo-a, aboliu-a por completo. Por Cristo essa lei é cumprida, não por esforço humano de judeus ou gentio, mas pela fé em Cristo, que a cumpriu.
XIII. A LEI É PECADO?
O propósito da Lei quanto ao processo da redenção é mostrar ao homem a sua pecaminosidade. Paulo deixa claro essa verdade ao escrever a sua Carta aos Romanos:
“Que diremos, pois? A lei é pecado? De modo nenhum! Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçarás” (Rm 7.7).
A Lei é o nosso tutor ou pedagogo particular quanto á matéria do pecado. A Lei nos guia no nosso conhecimento do mal e da iniquidade Por ela, descobrimos que somos homens miseráveis que carecem de uma outra saída que não seja por regulamentos e ritos antigos e inadequados.
Paulo explica o propósito da lei. Não era para tornar os homens santos, mas sim ensinar-lhes quão ímpios eles eram. Paulo não desmerece o valor da lei de Deus, visto que ela é boa e perfeita. O problema não está na lei, e sim no homem que não pode cumpri-la. Se alguém é pecador não é culpa da lei. Antes de tudo, a lei propicia o conhecimento ou a consciência do pecado. Ela expõe o pecado.
Mas, Paulo também aponta a Lei como sendo santa e o mandamento santo, justo e bom (Rm 7.12). A santidade da Lei, porém, não tem a ver com sua capacidade salvífica, pois não a possui. Embora a lei seja santa (v.12), Paulo também notou que essa lei leva o pecado a vida por causa da explanação de sua natureza (v.8). A lei, na intenção de produzir vida, trouxe a morte (v. 10). Paulo demonstrou o poder da natureza do pecado. A lei mostra o que é correto, mas não tem o poder da justiça:
“Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.20).
O lado positivo da Lei é que nos ajuda a ver o quanto somos pecadores desesperados e quanto necessitamos da graça do Senhor. A lei faria com que os homens se conscientizassem de que necessitavam de alguém para salvá-los; e assim sendo, creriam em Cristo como Seu Salvador.
“Ora sabemos que tudo o que a lei diz, o diz... para que.... todo mundo possa se tornar culpado diante de Deus” (Rm 3.19).
Paulo declarou claramente que o propósito da lei é alertar-nos sobre o pecado (v. 20). Paulo conclui que ninguém consegue observar completamente a lei.
XIV. O CRISTÃO ESTÁ LIVRE DA LEI MOSAICA
“Porventura, ignorais, irmãos (pois falo que conhecem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem toda a sua vida? Ora, a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o mesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. 3 De sorte será considerada adúltera se, viver ainda o marido, unir-se com outro homem; porém se morrer o marido, está livre da lei e não será adúltera se contrair novas núpcias. 4 Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutificarmos a Deus” (Rm 7.1-5).
Paulo condena religiões que consistem em tentar ganhar pontos com Deus partindo da observância da lei. Aqui, Paulo fez uma analogia com o casamento. A liberdade da lei é ilustrada em termos a relação entre a esposa e seu marido. A comparação é simples: assim como a morte dissolve o vínculo entre o marido e esposa, a morte do crente em Cristo rompe o jugo da lei, ele está livre para unir-se com Cristo. “Aquele que ressuscitou” no versículo quatro diz que Cristo, o novo marido, não morre mais (cf. Rm 6.9), e, portanto, a nova união nunca mais será dissolvida.
XV. A CADUQUICE DA LEI E A NOVIDADE DE VIDA
“Agora, porém, libertos da lei, estamos mortos para aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimos em novidade de espírito e não na caducidade da letra” (Rm 7.6).
O motivo de sua nova vida frutificada não vem das demandas da lei, mas do desejo de corresponder ao amor de Deus (v. 4). O Espírito Santo dá o poder de viver uma nova vida com Cristo (v. 6).
A antítese entre o Espírito e a letra (lei), aponta para o novo advento, aquele em que a Nova Aliança de Jeremias é realizada (Jr 31.31ss). A letra significa a concepção de guardar a lei exteriormente com toda a força moral que o homem pode levantar: “Espírito” fala das novas relações e forças produzidas em Cristo Jesus pelo Espírito Santo. Paulo procura mostrar para os cumpridores da lei que ela mata o homem por ser difícil de cumprir. “A letra mata e o Espírito vivifica” (2ª Co 3.6).
“Outrora, sem lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri. E o mandamento que me fora para vida, verifiquei que este mesmo mandamento me matou. Porque o pecado, prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento, me enganou e me matou” (Rm 7.9-11).
A lei trouxe o conhecimento do pecado (Rm 7.7); sem a lei estava morto o pecado (Rm 7.8). A percepção do pecado através da instrumentalidade da lei torna as pessoas conscientes de sua morte espiritual. “Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1.15).
XVI. CRISTO VEIO ABOLIR A LEI
Sabemos também, através de Paulo, que Cristo veio a nascer de mulher; apareceu num tempo determinado por Deus (Gl 4.4), a fim de cumprir a lei (Mt 5.17-18), tornar-se o fim da lei, para justiça perante Deus a todo o que crê (Rm 10.3; 3.19-23) e deste modo, a pôde cravá-la na cruz (Ef 2.13-16), para possibilitar a justificação de todo aquele que crê, o que era uma coisa impossível à lei (At 13.38-39; Rm 8.1-2) e é somente mediante a fé em Cristo (Rm 5.1).
Ele veio para cumprir a lei perfeitamente, segundo a perfeita vontade do Pai. A nobreza da vida de Cristo se percebe no fato de nunca tê-la desobedecido (Jo 8.29), assim, todos os que estão n’Ele participam da justiça perfeita (1ª Co 1.30).
Ele veio para transformar a sombra da lei na realidade por ela tipificada. Assim todos os sacrifícios de animais da lei mosaica, alcançaram na morte de Cristo, seu alvo histórico e seu cumprimento (Hb 9.12). Todo o ritual, as festas, os sábados, o sacerdócio, atingiram sua finalidade completa na pessoa e obra de Jesus Cristo. Neste sentido, a lei de Moisés tornou-se uma profecia cumprida. Por isso seria inútil o convertido pensar em guardar tudo aquilo que o Filho de Deus cumpriu. Por isso o sabatista desonra ao Senhor do sábado, observando o quarto mandamento (Êx 20.8-11).
Pelo fato de Jesus ter cumprido a lei, esta se tornou acessível a todos os povos e a todas as culturas. Ele reduziu a sentença de regras, cujo comprimento era impossível, em duas principais: amar a Deus e o próximo como a ti mesmo. Jesus quis mostrar, nas curas efetuadas no sábado, que afastar uma moléstia no dia sagrado são coerentes com o amor.
A observância da lei também implicava na sujeição ás penalidades, sempre que a lei fosse violada. No sofrimento de Cristo na cruz do Calvário, Deus satisfez todas as penalidades da lei que a humanidade merecia por sua culpa. Por isso Paulo diz:...“Não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).
Vamos concluir analisando a diferença entre a lei e a graça.
Lei
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Graça
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1. A lei apenas condena o transgressor.
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1. A graça redime.
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2. A lei define o pecado.
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2. A graça nos concede o temor (sem medo para abandoná-lo).
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3. A lei é intransigente punitiva
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3. A graça é libertadora.
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4. A lei condena.
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4. A graça soluciona.
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5. A lei não perdoa.
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5. A graça não só perdoa como elimina a culpa e ameniza a culpa do pecado.
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6. A lei aprisiona.
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6. A graça regenera.
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7. A lei mata.
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7. A graça renova a vida e a esperança.
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8. A lei não pode transformar o pecador.
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8. A graça santifica libertando o homem do poder do pecado.
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9. A serve para que evitemos o pecado.
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9. A graça serve para que vençamos o pecado.
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10. A lei enfatiza o castigo.
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10. A graça enfatiza o relacionamento com o Pai.
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11. A lei veio por um homem, Moisés.
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11. A graça veio pelo Redentor, Jesus Cristo.
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Pr. Elias Ribas
Igreja Evangélica Assembléia de Deus
Blumenau – SC
FONTE DE PESQUISA
- ANTÔNIO GILBERTO, lições bíblicas, 4º trimestre, 1992, CPAD, Rio de Janeiro, RJ.
- ANTÔNIO GILBERTO, lições bíblicas, 1º trimestre, 1997, CPAD, Rio de janeiro, RJ.
- BÍBLIA EXPLICADA, S.E.McNair, 4ª Edição, CPAD, Rio de Janeiro RJ.
- BÍBLIA PENTECOSTAL, Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Corrigida, Edição 1995, CPAD, Rio de Janeiro RJ.
- BÍBLIA SHEDD, Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil – 2ª Edição, Sociedade Bíblica do Brasil, Barueri, SP.
- BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE, Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Corrigida, 1995, Sociedade Bíblica do Brasil, Barueri, SP.
- CLAUDIONOR CORRÊA DE ANDRADE, Dicionário Teológico, p. 286, 8ª Edição, Ed. CPAD, Rio de janeiro, RJ.
- CLAUDIONOR CORRÊA DE ANDRADE, Lições Bíblicas, 2ª trimestre de 2008, Ed. CPAD, Rio de janeiro, RJ.
- RAIMUNDO OLIVEIRA, Lições Bíblicas, 1º Trimestre de 1986, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ.
- JOHN LANDERS, Religiões mundiais, Juerp, Rio de Janeiro, 3ª Edição, 1994.
- JOHN STOTT, Romanos, 1ª Edição, 2000, Ed. ABU, SC.
- JÜRGEN BECKER, Apóstolo Paulo, Edição 2007, Editora Academia Cristã.
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