Romanos 9.13 “Como está escrito: Amei a
Jacó, e odiei a Esaú.”
INTRODIÇÃO.
Geralmente nós lemos em nossas traduções
bíblicas que Deus odiou a Esaú, enquanto que amou a Jacó, seu irmão (Ml 1.2-3;
Rm 9.13). No entanto, podemos ver que Deus, na verdade, abençoou Esaú
grandemente (Gn 33.9), até mesmo alertando os israelitas para não atacarem os
filhos de Esaú ou arriscarem a retirada de Sua proteção deles se o fizessem (Dt
24-6). Como explicar isso? Deus odiou ou não o irmão gêmeo do patriarca dos
israelitas?
Existem certos textos na Bíblia que muitas vezes nos coloca em dificuldade. Além dessa declaração de que Deus odiou Esaú, e ao mesmo tempo o abençoou, citada acima, uma outra das mais difíceis é a declaração do próprio Jesus sobre odiar os próprios pais, por exemplo, para ser seu verdadeiro discípulo (Lc 14.26).
Para entender por que Deus disse isso sobre Esaú, precisamos examinar o contexto do livro de Malaquias e o contexto de todo o Antigo Testamento. Também é importante lembrar que esta passagem também é citada em Romanos:
E antes de os dois filhos nascerem, mesmo antes de fazerem algo de bom ou mau, Deus disse a Rebeca: “Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), Foi-lhe dito a ela: O maior servirá ao menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a Esaú.” (Rm 9.11-13).
Não
vou tratar sobre a doutrina da predestinação, mas tentar explicar a questão do
tema em foco.
I. DEUS REALMENTE ODIOU A ESAÚ?
O estudo em foco, na verdade a narrativa
da Torá desenvolvida de tal forma que qualquer um que ouvisse a história da
bênção roubada e do engano que Isaque sofreu da parte de seu filho mais novo
Jacó, iria simpatizar com Esaú em vez de Jacó! (Gn 27).
Não há dúvida de que Deus amou Jacó com seu amor pactual (um tipo diferente de amor e cuidado do que ele tinha por Esaú), mas Deus não odiou Esaú no sentido moderno da palavra.
Este é um texto assustador. Muitos não gostam da palavra “aborrecer” ou “odiar”. Porém esta palavra no hebraico é שנא (sone) significa “amar alguém / algo menos”, ou seja, “amar com menos intensidade”.
É óbvio que existem inúmeras referências bíblicas de Deus odiando algo ou alguém, mas o sentido desse ódio tem a ver com indignação, com o repúdio de certas práticas, com detestar a iniquidade e com o ficar aborrecido com aquilo que é pecado. O verbo odiar em hebraico é sonê e ocorre 147 vezes no Antigo Testamento com suas derivações.
Antes
de tudo, vale dizer que Deus certamente não odiou Esaú! Deus abençoou
incrivelmente Esaú, fazendo dele o pai e governante de Edom; deu muitos filhos,
terra, gado, camelos, ovelhas e muito mais. Pois, amou Esaú muito e o abençoou
grandemente.
Deus não abençoou Esaú da mesma maneira. Porque Deus escolheu Jacó e não escolheu Esaú? Vejo que Deus escolheu Jacó pela Sua presciência que no grego o termo é prognosko e prognosis que significa “pré-conhecimento”; conhecer de ante mão. Ele conhece o futuro antes que ele ocorra em nosso tempo.
II. POR QUE O LIVRO DE MALAQUIAS DIZ QUE DEUS AMOU JACÓ E ODIOU ESAÚ?
No entanto, no cumprimento da profecia e como um protótipo do que Deus fez em Jesus Cristo, Deus escolheu Jacó / Israel, o segundo filho, para enviar bênçãos através dele, e não através de Esaú. Jacó se tornou o pai da nação de Israel. Como Isaque, o segundo filho de Abraão, que foi escolhido como filho da promessa e por quem o Messias veio. Não é que Deus odiasse Esaú (embora eu entenda que isso esteja literalmente declarado no livro de Malaquias e na Epístola aos Romanos). O fato é que Deus escolheu Jacó. Deus escolheu Isaque. Deus escolheu os judeus, e Deus escolheu os cristãos, os verdadeiros filhos de Abraão (você pode ler sobre isso no capítulo 4 de Romanos).
Deus está simplesmente tentando mostrar que Ele ainda ama Israel e Seu povo escolhido. Mais uma vez direi que o problema não é que Deus deixou de amá-los, mas que eles deixaram de ser fiéis a Ele. Deus quer abençoar Seu povo escolhido, a quem Ele sempre amou, mas a infidelidade deles não permite que Ele o faça.
Acredite ou não, mas quando Paulo diz: “Eu amei Jacó, mas odiei Esaú”, ele repete o que foi dito antes que a salvação será concedida primeiro aos judeus e depois aos gentios. Se você ler mais, o apóstolo Paulo diz a eles que não há nada errado com os pagãos que começam a confiar em Jesus em sua fé. Quem age pela fé como Abraão é o verdadeiro filho de Abraão.
“Porque
Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o
seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse
salvo por ele. Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está
condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” (Jo 3.16-18).
Deus
amou o mundo (Judeus e gentios), porém quem nele crer será salvo; o amor de
Deus foi derramado sobre o mundo através da morte de Seu filho na cruz! Todavia,
a fé é meio para receber este amor. Sem fé é impossível receber este amor.
Deus não odiava Esaú ou os gentios, mas ele sempre teve um povo escolhido. Na era cristã, quem faz o que Jesus fez se torna o filho espiritual de Abraão. Aqui está outra passagem de Gálatas sobre isso:
“Então
você deve saber que aqueles que acreditam são os verdadeiros descendentes de
Abraão.” (Gl 3.7). Conforme o apostolo João; filhos de Deus (Jo 1.12).
A ira de Deus significa seu reto juízo sobre a impiedade e injustiça (Sl 7.11; Rm 1.17). Sua ira é santa e justa. O sentimento do ódio, porém, as vezes traduzido pelo verbo “aborrecer” (Ml 1.3 na ARC, por exemplo), é um sentimento maligno que deseja e quer fazer o mal, destruir determinada pessoa por simplesmente detestá-la. Não era este o sentimento de Deus para com a pessoa de Esaú, obviamente, pois como vimos, Ele o abençoou, embora tenha trazido de Seu justo juízo sobre seus descendentes (Ml 1.3b). Por isso, seria inadequado traduzir “odiei a Esaú” em Malaquias 1.3 e levar isso ao pé da letra como entendemos hoje.
Exemplo: a tradução também nos diz que
Jacó “odiava” sua primeira esposa Lia.
E aconteceu que, de manhã, eis que ela era Lia. E ele [Jacó] disse a Labão: O que é isto que tu me fizeste? Eu não te servi por Raquel? Por que então me enganaste? E quando o SENHOR viu que Lia era odiada, ele abriu seu ventre, mas Raquel era estéril (Gn 29.31 BKJ).
Após uma leitura mais atenta, porém, fica claro que Jacó amava a Raquel mais do que a Lia, mas a amava menos do que a Raquel. “....e ele também amou Raquel mais do que Lia… (Gn 29.30 BKJ)
Por exemplo, na Torá, Deus permite o divórcio com base em certas circunstâncias rigorosas que tornariam o relacionamento conjugal impossível de continuar. Em outras palavras, Deus permite o divórcio em algumas circunstâncias.
Quando nossas traduções dizem que Deus “odeia” o divórcio (Ml 2.16), devemos desafiar nossas traduções em português e exigir uma interpretação mais “matizada”, isto é, diversificada (não ao pé da letra), mas cuja interpretação é precisa.
Todos nós sabemos que o divórcio é uma das experiências mais dolorosas que qualquer ser humano pode passar na vida. Mas há uma coisa que é ainda pior do que o divórcio: um casamento abusivo! A Torá protegeu as pessoas da necessidade de continuar neste vínculo ímpio (Mt 19.8; ref. Dt 24.1).
Naturalmente, o divórcio e o novo casamento (mesmo em bases bíblicas) não são ideais, mas traduzir Ml 2.16 como “Deus odeia o divórcio” e interpretá-lo como a proibição total da separação conjugal é uma representação horrível do Deus amoroso sobre o nosso mundo quebrado. Que tipo de amor fraternal se conformaria em ver uma mulher sendo violentada, agredida e maltratada por um homem?
Da mesma forma, traduzir que “Deus odiou a
Esaú” não é o mais adequado, quando, do ponto de vista etimológico
cultural-original hebraico, Deus o amou menos, em vez de tê-lo odiado.
Quantas outras passagens da Bíblia nós entendemos mal porque não entendemos ou conhecemos sua formação original judaica?
E quanto a odiar/aborrecer nossos pais, filhos, irmãos e até mesmo a própria vida para sermos seguidores de Jesus? No caso de Lc 14.26, que mencionamos mais no início, as traduções clássicas como King James e Almeida Corrigida Fiel, que tem a fama de serem as mais fiéis ao texto original, nos informam:
“Se alguém vier a mim, e não aborrecer a
seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua
própria vida, não pode ser meu discípulo.” (Lucas 14.26 ACF).
Neste mesmo versículo, a Bíblia de Jerusalém, por exemplo, que traduziu “se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe…”, trouxe uma nota de rodapé informando que tal expressão (“odiar”) trata-se de um hebraísmo. Ela diz:
Hebraísmo: Jesus não exige ódio, mas desapego completo e imediato (Lc 9.57-62).
Adicionalmente, neste mesmo versículo, a Bíblia Peshitta publicada pela editora BVBooks, que é traduzida do texto aramaico, o idioma que Jesus falava, traduziu “quem vier a mim e não aborrece a seu pai e a sua mãe…”, informa em nota de rodapé:
Aramaico: sani, que pode ser traduzido como odiar, aborrecer, em comparação com seu amor por Ele. Refere-se a outorgar a Ele a prioridade em amor em contraste com os sentimentos naturais da carne da alma em nossas relações filiais, mas de maneira alguma deve se interpretar isto como um aborrecimento literal das pessoas a quem devemos amar (Ver Êx 20.1-5; Mt 10.37).
Portanto, “odiar” aqui se trata de uma
expressão idiomática hebraica que significa mais precisamente “amar menos” ou
“amar com prioridade menor”, e não deve ser entendido ao pé da letra do
significado da palavra “odiar” ou “aborrecer”.
Logo, o conhecimento do hebraico bíblico é vital para se entender a palavra do Senhor corretamente, mesmo o Novo Testamento, pois o Senhor e os discípulos viviam sob este contexto e pregavam as Escrituras originais hebraicas.
Por isso, traduções bíblicas modernas já fizeram um trabalho mais apurado até mesmo do que a King James e as antigas versões de João Ferreira de Almeida. Confira:
“Se alguém que me segue amar pai e mãe, esposa e filhos, irmãos e irmãs, e até mesmo a própria vida, mais que a mim, não pode ser meu discípulo.
Nova Versão Transformadora. O mesmo se repete na NVI, NAA, KJA e NTLH, por exemplo.
CONCLUÇÃO. Está óbvio que é
uma tradução errada dizer “Deus odiou a Esaú” ao pé da letra, isto é, no
sentido moderno da palavra, sem se ater ao sentido antigo do hebraico bíblico.
Vimos também que, de fato, no idioma original hebraico está a raiz para entender definitivamente e corretamente todo o contexto bíblico, inclusive do Novo Testamento também.
Amou
menos Jacó; Amar pai, mãe, irmãos e irmãs, mais que a mim, não pode ser meu
discípulo.
FONTE DE PESQUISA
1. Bíblia ACF. João Ferreira de Almeida.
2. Bíblia King James.
3. A Bíblia Peshita. Restaurada e Oriunda
do Aramaico e Hebraico. Editora BVBooks.
4. Bíblia de Jerusalém é a edição
brasileira de 2002. Paulus Editora.
5. Did God Really Hate Esau? Dr. Eli
Lizorkin-Eyzenberg, Israel Bible Center.
6. The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon.
7. The Englishman’s Hebrew Concordance of
the Old Testament: Coded with Strong’s Concordance Numbers.
8. Biblehub.com: Strong Hebrew 8130.
Pr. Elias Ribas
Assembleia de Deus
Blumenau - SC
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