“No Novo
Testamento, há um número relativamente pequeno de composições musicais e também
um número sucinto de referências à música e à produção musical. Este tratamento
bastante restrito de um assunto bíblico de tal importância reflete o contexto
judaico específico nos quais os escritos do Novo Testamento se desenvolveram.
No primeiro século da Nossa Era, muitos grupos religiosos judaicos diferentes
haviam desenvolvido uma atitude bastante restrita com relação ao uso de
execuções musicais exuberantes, tanto no ambiente litúrgico quando no secular.
Esta atitude pode ser vista nos manuscrito do Mar Morto, e especialmente nos
ensinamentos rabínicos da época.
O
cristianismo apostólico emergiu, desenvolveu-se e organizou-se principalmente
dentro do contexto da sinagoga. Portanto, era natural para os primeiros
cristãos que mantivessem o que conheciam da música da sinagoga em sua própria
adoração. Esta é, aparentemente, a razão pela qual Paulo, ele próprio um
“fariseu, filho de fariseu” (Atos 23:6), considerasse os instrumentos musicais
como “coisas inanimadas” e, em vez disso, promovesse a adoração na forma de
“salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao
Senhor” (Ef 5.19).
Realmente,
a maior parte das referências do Novo Testamento à música trai as suas raízes
judaicas. Em Mateus 26.30 e Marcos 14.26, é dito que Jesus e Seus discípulos
“cantaram um hino” depois de terminarem sua ceia da Páscoa. Estamos aqui dentro
do contexto do Sidur judaico da Páscoa, o qual é regularmente concluído com o
cântico da última parte do “Hallel” (Salmos 113-118) ou o Salmo 136. O cântico,
como parte da adoração e como forma de oração, tal como aparece em 1ª Coríntios
14.15, 26 e Efésios 5.19 e Colossenses 3.16, era e ainda é a prática litúrgica
mais comum na adoração judaica. Tanto em Efésios quanto em Colossenses o verso
“cantar” está relacionado a outros termos que pertencem especialmente ao
contexto da adoração judaica. A sequência “salmos, hinos e cânticos”, que
aparece em ambas as passagens, também é encontrada nos escritos de Flávio
Josefo (The Antiquities of the Jews 7.12.3; 12.7.7), um escritor judaico
contemporâneo de Paulo. Em Efésios, a exortação a cantar “salmos, hinos e
cânticos” é seguida pelas palavras “dando graças constantemente a Deus Pai por
todas as coisas” (verso20). Berakhot (“ação de graças”) é uma das
práticas mais comuns na adoração judaica. Em Colossenses, este mesma conexão
aparece (3.16-17), mas aqui Paulo acrescenta outro conceito fundamental judaico
(verso 5), o de “Paz” (Shalom). Em 1º Coríntios 14.15-16, a “ação de graças” (em
hebraico, levarekh) está relacionada ao termo fundamental da adoração
judaica “Amém”. Tiago faz a mesma conexão entre a oração e o cântico dos Salmos
(Tiago 5.13), refletindo desta maneira, o entendimento judaico comum de que a
prática destes caracteriza a vida do homem piedoso.
Outras
passagens do Novo Testamento apresentam algumas formas de utilização da música
no quotidiano judaico da época. As passagens nos Evangelhos que descrevem a
cerimônia de lamentação pela filha de Jairo, presidente de uma das sinagogas da
região ao redor do lago da Galileia, apresenta a utilização tradicional de
flautistas e cantores nos funerais da época (Mt 9.23; Mc 5.38). Música e dança
eram comuns nas festas (Lc 15.25). Muitas passagens do Novo Testamento
testificam de uma variedade de instrumentos musicais comuns ao contexto judaico
daquele tempo, tais como a flauta (Mt 9.23; 11.17), os címbalos (1ª Co 13.1), o
shofar (Ap 8.2, 6-12; 9.1-13) e a harpa (Ap 14.2-3), entre outros.
Um quadro
musical exuberante, no Novo Testamento, aparece apenas no livro do Apocalipse,
em relação com as visões apocalípticas de João sobre o céu e o futuro
estabelecimento do reinado eterno de Deus. Em suas visões, João relata aspectos
da adoração a Deus pelos seres celestiais e pelo coro de anjos (Ap 5.8-14). A
adoração é feita no contexto do santuário celestial, no qual Jesus ministra
como Messias e Sumo Sacerdote. A música é feita com harpas e um cântico que
envolve toda a criação. Em Apocalipse 7.9-12; 14.1-3; e 15.2-4, vemos uma
apresentação escatológica do grupo daqueles que foram redimidos, agora adorando
a Deus com cânticos de louvor e música de harpas. Eles ficam em pé junto ao mar
de vidro, na Sião celestial, e cantam o Cântico de Moisés e o Cântico do
Cordeiro. Este quadro escatológico reflete a esperança judaica da salvação
futura e da redenção escatológica final, presentes nas orações diárias da
sinagoga (Shirah Hadashah) pronunciadas logo antes da Amidah (a
“Grande Oração Silenciosa” central da adoração da sinagoga) que diz: “Um novo
cântico será entoado pelos redimidos, em louvor ao Teu reino para sempre”. De
fato, a maravilhosa salvação e a eternal redenção que Deus trará a este mundo
pode produzir somente a resposta mais entusiástica por parte dos seres humanos,
e João viu que no céu, a grande multidão das criaturas de Deus, como o salmista
do passado, será capaz de dar somente uma resposta ao seu Pai Celestial, a
resposta de louvor e aleluias, dizendo:
“Aleluia! A
salvação, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus, pois verdadeiros e justos
são os seus juízos....
Amém,
Aleluia!...
Louvem o nosso
Deus, todos vocês, seus servos, vocês que o temem, tanto pequenos como grandes!
Aleluia! Pois
reina o Senhor, o nosso Deus, o Todo-poderoso.
Regozijemo-nos!
Vamos alegrar-nos e dar-lhe glória!” (Ap19.1-8).
Nas primeiras
décadas da Nossa Era, o Templo de Jerusalém, com seu rico ritual e liturgia (no
qual era comum uma execução musical opulenta pelo coro levítico e vários
instrumentos musicais), foi dominado por uma classe dominante de saduceus muito
corrupta. As comunidades judaicas da época também tinham que enfrentar a
pressão e a influência das religiões pagãs com suas práticas orgias sempre
presentes em banquetes particulares, festas populares, feriados públicos, e nos
shows dos circos e teatros romanos. Tudo isso levou muitos judeus da época a
adotar uma abordagem bastante estrita com relação à música e seu uso,
particularmente no contexto religioso. Nas sinagogas, o homem religioso judeu
comum começava a enfatizar a música vocal sobre a instrumental em sua liturgia
e uma prática musical religiosa mais austera. Esta tendência consolidou-se
depois da destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 da Nossa Era pelos
romanos, e o banimento rabínico do uso de instrumentos na sinagoga, como uma
expressão de lamentação pela destruição do templo.
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