TEOLOGIA EM FOCO: A MÚSICA NO NOVO TESTAMENTO

terça-feira, 24 de outubro de 2017

A MÚSICA NO NOVO TESTAMENTO


“No Novo Testamento, há um número relativamente pequeno de composições musicais e também um número sucinto de referências à música e à produção musical. Este tratamento bastante restrito de um assunto bíblico de tal importância reflete o contexto judaico específico nos quais os escritos do Novo Testamento se desenvolveram. No primeiro século da Nossa Era, muitos grupos religiosos judaicos diferentes haviam desenvolvido uma atitude bastante restrita com relação ao uso de execuções musicais exuberantes, tanto no ambiente litúrgico quando no secular. Esta atitude pode ser vista nos manuscrito do Mar Morto, e especialmente nos ensinamentos rabínicos da época.

O cristianismo apostólico emergiu, desenvolveu-se e organizou-se principalmente dentro do contexto da sinagoga. Portanto, era natural para os primeiros cristãos que mantivessem o que conheciam da música da sinagoga em sua própria adoração. Esta é, aparentemente, a razão pela qual Paulo, ele próprio um “fariseu, filho de fariseu” (Atos 23:6), considerasse os instrumentos musicais como “coisas inanimadas” e, em vez disso, promovesse a adoração na forma de “salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor” (Ef 5.19).

Realmente, a maior parte das referências do Novo Testamento à música trai as suas raízes judaicas. Em Mateus 26.30 e Marcos 14.26, é dito que Jesus e Seus discípulos “cantaram um hino” depois de terminarem sua ceia da Páscoa. Estamos aqui dentro do contexto do Sidur judaico da Páscoa, o qual é regularmente concluído com o cântico da última parte do “Hallel” (Salmos 113-118) ou o Salmo 136. O cântico, como parte da adoração e como forma de oração, tal como aparece em 1ª Coríntios 14.15, 26 e Efésios 5.19 e Colossenses 3.16, era e ainda é a prática litúrgica mais comum na adoração judaica. Tanto em Efésios quanto em Colossenses o verso “cantar” está relacionado a outros termos que pertencem especialmente ao contexto da adoração judaica. A sequência “salmos, hinos e cânticos”, que aparece em ambas as passagens, também é encontrada nos escritos de Flávio Josefo (The Antiquities of the Jews 7.12.3; 12.7.7), um escritor judaico contemporâneo de Paulo. Em Efésios, a exortação a cantar “salmos, hinos e cânticos” é seguida pelas palavras “dando graças constantemente a Deus Pai por todas as coisas” (verso20). Berakhot (“ação de graças”) é uma das práticas mais comuns na adoração judaica. Em Colossenses, este mesma conexão aparece (3.16-17), mas aqui Paulo acrescenta outro conceito fundamental judaico (verso 5), o de “Paz” (Shalom). Em 1º Coríntios 14.15-16, a “ação de graças” (em hebraico, levarekh) está relacionada ao termo fundamental da adoração judaica “Amém”. Tiago faz a mesma conexão entre a oração e o cântico dos Salmos (Tiago 5.13), refletindo desta maneira, o entendimento judaico comum de que a prática destes caracteriza a vida do homem piedoso.

Outras passagens do Novo Testamento apresentam algumas formas de utilização da música no quotidiano judaico da época. As passagens nos Evangelhos que descrevem a cerimônia de lamentação pela filha de Jairo, presidente de uma das sinagogas da região ao redor do lago da Galileia, apresenta a utilização tradicional de flautistas e cantores nos funerais da época (Mt 9.23; Mc 5.38). Música e dança eram comuns nas festas (Lc 15.25). Muitas passagens do Novo Testamento testificam de uma variedade de instrumentos musicais comuns ao contexto judaico daquele tempo, tais como a flauta (Mt 9.23; 11.17), os címbalos (1ª Co 13.1), o shofar (Ap 8.2, 6-12; 9.1-13) e a harpa (Ap 14.2-3), entre outros.

Um quadro musical exuberante, no Novo Testamento, aparece apenas no livro do Apocalipse, em relação com as visões apocalípticas de João sobre o céu e o futuro estabelecimento do reinado eterno de Deus. Em suas visões, João relata aspectos da adoração a Deus pelos seres celestiais e pelo coro de anjos (Ap 5.8-14). A adoração é feita no contexto do santuário celestial, no qual Jesus ministra como Messias e Sumo Sacerdote. A música é feita com harpas e um cântico que envolve toda a criação. Em Apocalipse 7.9-12; 14.1-3; e 15.2-4, vemos uma apresentação escatológica do grupo daqueles que foram redimidos, agora adorando a Deus com cânticos de louvor e música de harpas. Eles ficam em pé junto ao mar de vidro, na Sião celestial, e cantam o Cântico de Moisés e o Cântico do Cordeiro. Este quadro escatológico reflete a esperança judaica da salvação futura e da redenção escatológica final, presentes nas orações diárias da sinagoga (Shirah Hadashah) pronunciadas logo antes da Amidah (a “Grande Oração Silenciosa” central da adoração da sinagoga) que diz: “Um novo cântico será entoado pelos redimidos, em louvor ao Teu reino para sempre”. De fato, a maravilhosa salvação e a eternal redenção que Deus trará a este mundo pode produzir somente a resposta mais entusiástica por parte dos seres humanos, e João viu que no céu, a grande multidão das criaturas de Deus, como o salmista do passado, será capaz de dar somente uma resposta ao seu Pai Celestial, a resposta de louvor e aleluias, dizendo:

“Aleluia! A salvação, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus, pois verdadeiros e justos são os seus juízos....
Amém, Aleluia!...
Louvem o nosso Deus, todos vocês, seus servos, vocês que o temem, tanto pequenos como grandes!
Aleluia! Pois reina o Senhor, o nosso Deus, o Todo-poderoso.
Regozijemo-nos! Vamos alegrar-nos e dar-lhe glória!” (Ap19.1-8).

Nas primeiras décadas da Nossa Era, o Templo de Jerusalém, com seu rico ritual e liturgia (no qual era comum uma execução musical opulenta pelo coro levítico e vários instrumentos musicais), foi dominado por uma classe dominante de saduceus muito corrupta. As comunidades judaicas da época também tinham que enfrentar a pressão e a influência das religiões pagãs com suas práticas orgias sempre presentes em banquetes particulares, festas populares, feriados públicos, e nos shows dos circos e teatros romanos. Tudo isso levou muitos judeus da época a adotar uma abordagem bastante estrita com relação à música e seu uso, particularmente no contexto religioso. Nas sinagogas, o homem religioso judeu comum começava a enfatizar a música vocal sobre a instrumental em sua liturgia e uma prática musical religiosa mais austera. Esta tendência consolidou-se depois da destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 da Nossa Era pelos romanos, e o banimento rabínico do uso de instrumentos na sinagoga, como uma expressão de lamentação pela destruição do templo.


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